Alguns fatos sobre a morte do pastor Anderson do Carmo começam a ganhar contornos mais sólidos depois que a filha biológica da deputada federal Flordelis (PSD-RJ) reiterou ter pago R$ 5 mil para que o padrasto fosse assassinado. Já uma filha adotiva envolvida no crime atribuiu à mãe a orquestração da execução.
Simone dos Santos Rodrigues participou de uma audiência no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e admitiu que ajudou a arquitetar a morte do padrasto por não suportar mais ser alvo de investidas de teor sexual.
Ao contrário do que dizem os irmãos adotivos, Simone isenta a mãe da ordem de execução, e afirma que pagou R$ 5 mil para que Marzy Teixeira da Silva, sua irmã adotiva, entregasse a Lucas Cézar dos Santos, outro irmão, o valor para que Anderson do Carmo fosse morto.
“Eu estava em desespero, não aguentava mais as investidas dele, porque ele queria ficar comigo de qualquer forma. Ele me ameaçava cortar o dinheiro da minha medicação, do meu tratamento de câncer, eu não conseguia falar com a minha mãe concernente a isso”, disse a filha biológica.
Simone enfrentou um câncer ao longo dos últimos anos e o tratamento era custeado por sua mãe e Anderson do Carmo, que era o responsável por gerir as finanças da numerosa família. Ela disse que sabia que o dinheiro repassado a Marzy tinha como finalidade por fim à vida de seu padrasto, com quem teve um relacionamento na adolescência.
Ela também disse aos deputados que passou a ter “síndrome de pânico” por conta da insistência de Anderson do Carmo, e foi aí que pediu “pelo amor de Deus” a Marzy para ajudá-la a por um fim na situação, já que “todos os dias” ele a agarrava e “algumas vezes” conseguiu estupra-la.
“Infelizmente, usei drogas por causa disso, fiquei totalmente atordoada, desorientada e num desespero. Infelizmente, o único dinheiro que eu tinha, que eram R$ 5 mil, eu peguei e falei: ‘Marzy, você também está sofrendo’. Ele [Anderson] era uma pessoa que fazia muito bem para minha mãe, mas para todos da casa, ele não era uma pessoa boa”, declarou Simone.
Versões
Inicialmente, Marzy disse à Justiça, nas fases iniciais do processo, que o relacionamento de Simone e Anderson era bom e assumiu responsabilidade sobre a orquestração do crime, dizendo que ela tinha sido responsável por dar R$ 5 mil a Lucas e garantir que ele ficaria com os relógios da vítima como pagamento.
Entretanto, de acordo com informações do jornal O Globo, a juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce a confrontou durante uma audiência lembrando de um depoimento que ela havia dado na delegacia, quando Marzy havia dito que o relacionamento entre a filha biológica de Flordelis e Anderson era conflituoso, e ela voltou atrás e admitiu que haviam atritos.
Flordelis ‘culpada’
Para outra filha adotiva da deputada federal, Roberta dos Santos, a mãe adotiva é a principal responsável pelos planos de assassinato do pai. Ela fez essa declaração em outra audiência da Comissão de Ética da Câmara, na última quinta-feira, 22 de abril.
Ela foi a última testemunha do caso, listada pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP), relator da representação de quebra de decoro parlamentar que pode levar à cassação do mandato de Flordelis, a ser ouvida.
Roberta considera “anormal” a forma como a mãe manipulava e influenciava os filhos e reiterou a declaração do responsável por adquirir a arma do crime, Lucas Cézar: “Nada acontecia se ela não permitisse. Se ela quisesse, o Niel estaria vivo até hoje. E não é nem se ela não tivesse intervindo: era se ela não tivesse manipulado, pensado e agido, porque isso não vem da Simone nem da Marzy. A cabeça número 1 é ela, com certeza”.
“Niel” é o apelido que era usado em família para se referir ao pastor Anderson do Carmo. Embora tenha sido adotada aos três meses de vida pelo casal, Roberta – hoje com 26 anos – foi registrada apenas pela deputada federal e criada por outros dois filhos adotivos de Flordelis, Carlos Ubiraci e Cristiane, a quem considera “pais de criação”. Ele é um dos presos sob acusação de envolvimento no crime.
“Eu me casei com 21 anos e saí da casa, mas continuei tendo o convívio normal e ia lá [casa de Flordelis e Anderson] quase todo fim de semana. Entre janeiro e fevereiro de 2019, eu estive lá na casa, e o meu pai Carlos me contou que o Niel o procurou, mostrou uma mensagem que ele descobriu no rascunho do iPad dele, que estavam tramando a morte dele, só que ele não acreditou”, relatou Roberta, conforme informações da Agência Câmara de Notícias.
Subjetividade
A advogada da deputada, Janira Rocha, chamou atenção para a divisão entre os filhos de Flordelis após o crime, destacando que uma parte deles atribui a autoria intelectual do crime à deputada, enquanto outros, diretamente envolvidos na execução, assumem a autoria de forma objetiva.
“Quando Roberta fala de manipulação, está falando do passado, porque em relação aos fatos do momento do crime, ela não tem como dizer”, destacou Janira Rocha.