A pastora e advogada Damares Alves se tornou o centro das atenções da grande mídia após sua indicação para o Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos durante o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). No último sábado, 15 de dezembro, o jornal Folha de S. Paulo veiculou matéria com acusações de incitação de ódio a indígenas contra a ONG fundada pela futura ministra.
Uma das beneficiadas pela ação da ONG Atini, fundada pela pastora, concedeu entrevista e refutou as acusações veiculadas pela Folha, apontando que a matéria tem imprecisões e inverdades. A ONG Atini se dedica ao acolhimento e assistência a mulheres e crianças indígenas rejeitadas por suas tribos e potenciais vítimas de infanticídio.
A matéria do jornal se refere à organização como sendo uma entidade de propriedade da futura ministra, mas Damares Alves se afastou das atividades da ONG em 2015, quando deixou de constar como integrante do grupo de pessoas que tocam a organização.
Uma das beneficiárias das ações da ONG Atini, a jovem Kanhu Kamayurá, de 19 anos, concedeu entrevista ao portal Agora Paraná e refutou as acusações contra a organização e, consequentemente, à pastora Damares Alves.
“Eu vi na reportagem da Folha de São Paulo que estão tentando transformar a Damares numa pessoa ruim, numa pessoa que tira crianças à força da família dela. Não é nada disso. Ela foi uma das pessoas que me salvou. Graças a ela eu estou aqui, graças a ela eu tenho sonhos, graças a ela eu tenho vontade de ajudar outras crianças indígenas que passam o mesmo que eu passei, que tem as mesmas dificuldades. Falaram que quem nos salvou incitou ódio, mas trouxeram amor, vida”, declarou Kamayurá.
A jovem indígena afirmou que as ações classificadas pelo jornal como “sequestro” e “tráfico humano” são na verdade ações de resgate de crianças que estavam condenadas à morte: “Eu sou uma voz que não foi silenciada. Eu sofro de distrofia muscular progressiva. Tinha que ficar em uma oca, escondida. Meus pais pediram ajuda para a Atini, que ajudou minha família a ficar em Brasília para que eu fizesse um tratamento. Se eu permanecesse na aldeia com certeza estaria morta. Na aldeia não há estrutura para uma menina de cadeira de rodas, não tem remédio, não tem banheiro”, pontuou.
Outro sobrevivente de infanticídio que recebeu ajuda da Atini é Kakatsa Kamayurá, que atualmente também vive em Brasília e se formou técnico em enfermagem em setembro deste ano, graças ao apoio da ONG: “Meu pai não me reconhecia como filho e minha avó queria me enterrar viva, mas uma vizinha na aldeia pediu para cuidar de mim. Com 17 anos vim para cidade e a Atini ajudou a me manter na capital. Hoje sou casado e moro com minha família em uma cidade satélite próxima a Brasília”, disse Kakatsa.
Acusações
O jornal Folha de S. Paulo fez a matéria a partir de um processo que corre em segredo de Justiça e investiga acusações feitas à Atini pelo Ministério Público. A reportagem, no entanto, não se aprofundou sobre o trabalho desenvolvido pela ONG para mostrar os casos de pessoas que receberam ajuda.
De acordo com o Agora Paraná, as “crianças resgatadas pela ONG estavam condenadas a morte”, como a índia suruwahá Hakani, que chegou a ser enterrada viva porque não havia aprendido a andar e falar até os dois anos, mas foi resgatada por seu irmão Bibi, que cuidou dela da forma que podia ao longo de três anos, até que pediu auxílio a um casal de missionários.
Hoje, aos 20 anos de idade, Hakani é fluente em três idiomas e vive em autoexílio nos Estados Unidos, onde estuda em uma universidade. A mudança de país se deu porque Hakani acredita que ainda corre riscos, já que para alguns setores da antropologia ela deveria voltar à aldeia para ser morta para que seja mantida a cultura. Sua história de vida virou documentário com repercussão internacional, mas a narrativa passou a ser tratada pelo Ministério Público Federal como ficção.
Gustavo Hamilton de Sousa Menezes, representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), admitiu que o infanticídio é uma prática em voga em muitas tribos: “A gente sabe que, aqui mesmo está dizendo que são em torno de 20 etnias que praticam, isso não é nem 10%. A gente tem que levantar isso, esses dados tem que ajudar a produzir, temos que partilhar desse interesse em se revelar o que realmente acontece”, afirmou Menezes, durante audiência pública na Câmara dos Deputados em 2017.
“Uma informação importante também trazida pelo documentário é de que os indígenas não querem, em sua grande maioria, praticar o infanticídio, porque entendem que sua cultura é viva e pode evoluir como qualquer cultura do mundo. Foi mostrado também que alguns indígenas se sentem pressionados por antropólogos para matarem seus filhos sob o argumento de que a prática faz parte da cultura”, enfatizou a matéria investigativa de Carlos Moraes publicada pelo AP.