Apesar da Bíblia deixar claro que os verdadeiros cristãos “não podem beber do cálice do Senhor e do cálice dos demônios; não podem participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (1 Coríntios 10:21), em referência ao caráter exclusivo da doutrina cristã baseada no sacrifício de Jesus Cristo, alguns acreditam que é possível integrar uma “igreja ecumênica”, onde diversas crenças são tratadas como equivalentes, e não excludentes.
Um exemplo disso é a atuação de Alexandre Marques Cabral, de 45 anos. Professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele também se apresenta como “pastor” da Igreja Reformada Ecumênica, mas não só isso: também como adepto das giras de umbanda no terreiro de Vovó Cambinda do Cruzeiro das Almas, no Rio de Janeiro.
“A Igreja Reformada Ecumênica busca desempenhar uma fé e uma espiritualidade plurais, se inspirando na vida e nas práticas de Jesus e se alimentando de outras formas de exercício da espiritualidade”, defende Cabral.
Com base em sua filosofia, o religioso acredita que em seu corpo habitam “Jesus, Exu, Krishna, Oxum, Martin Luther King, irmã Dulce, dentre outros e outras que sincreticamente me penetram os poros da vida.”
“Entidades”
Cabral admite que em sua trajetória religiosa não viu problemas em consultar as “entidades” – expressão usada pelos adeptos das religiões de matriz africana em referência aos espíritos que incorporam seus líderes e subordinados.
“Em 2019 escrevi um livro sobre um malandro de Umbanda chamado ‘Malandrinho da Estrada’. Não o escrevi porque tive vontade, mas porque ele me pediu para escrevê-lo”, contou. “A escrita desse livro acabou me transformando por inteiro. Em 2022, publiquei outro livro que trata do feminismo das Pombagiras, livro que resultou em quatro anos de entrevistas com as entidades.”
O ecumenismo difere do diálogo inter-religioso. Nesse último, líderes de membros de diferentes religiões entendem que podem, por exemplo, cooperar entre si em prol de causas comuns envolvendo temas sociais, políticos e etc., havendo assim um respeito mútuo.
No caso do ecumenismo, porém, a proposta é ir além: envolve o entendimento de que é possível cultuar juntos ou ser adepto de diferentes doutrinas. A diferença, portanto, está no sincretismo religioso, traduzido no dito popular de que “todas as crenças levam a Deus”.
É por isso que no caso de Cabral, a sua atuação como “pastor” da Igreja Reformada Ecumênica também inclui a leitura da Bíblia e cerimônias associadas ao cristianismo.
“Lemos a Bíblia como livro que conjuga sabedorias e espiritualidades nascidas de contextos culturais, históricos e econômicos diversos. Como a Bíblia não é maior que a vida, é esta que funciona como termômetro qualificador das nossas leituras e práticas”, disse ele ao UOL.
Visão bíblica
Apologistas cristãos de doutrina, contudo, alertam sobre os perigos do ecumenismo. Em um artigo publicado pelo Centro Apologético Cristão de Pesquisas (CACP), o pastor Aureo Ribeiro faz a seguinte colocação:
“Dizemos não ao ecumenismo e alertamos os cristãos quanto ao engodo, à hipocrisia e aos perigos desse movimento que objetiva prostituir espiritualmente a verdadeira Igreja de Cristo, a fim de neutralizá-la, envergonhá-la e levá-la à idolatria”.
O pastor lembra que os profetas e discípulos de Cristo, como o Apóstolo Paulo, mantiveram o diálogo inter-religioso, mas não o ecumenismo, sempre com o objetivo de anunciar a exclusividade do Evangelho, sendo perseguidos justamente por isso.
“Em Ezequiel 14, o Senhor fala ao profeta que não ia responder aos anciãos que adoravam ídolos. Tratavam-se de homens que haviam sido adoradores do Deus Vivo, mas foram contaminados”, escreve Ribeiro. “Paulo, quando esteve em Éfeso (Atos 19), pregava contra a deusa Diana. O texto é categórico em afirmar que muitos ourives que fabricavam as imagens da deusa Diana queriam matar Paulo, pois este pregava com veemência e à medida que o povo se convertia”.
O pasto Israel Belo de Azevedo, líder da Igreja Batista Itacuruçá, na Tijuca, concorda que o ecumenismo é inviável quando envolve religiões cujas doutrinas são completamente diferentes, diferentemente do caso das denominações que comungam da mesma tradição.
“Cultos de outras religiões, como as de matrizes africanas, são muito diferentes. Por exemplo, o cristianismo segue as escrituras sagradas, enquanto essas religiões seguem outras escrituras e tradições. Não vejo como pode haver uma união ou fusão, mas isso não dá direito de atacar ou vandalizar outros credos. O respeito deve ser absoluto de um lado e de outro, a todas as tradições, sem imposições”, conclui o pastor.