Contando com o apoio da absoluta maioria dos evangélicos no Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou uma figura de destaque, também, no seio da Igreja Cristã nacional, sendo responsável pelo fortalecimento do debate sobre a relação entre fé e política. Para o pastor Heuring Motta, contudo, alguns fatores são dignos de preocupação.
Teólogo, pastor da Igreja Batista Reformada, professor de Ciências Políticas no Instituto John Owen e presidente do grupo Juntos pelo Evangelho, Heuring Motta publicou um artigo fazendo uma reflexão sobre a fronteira que separa o “patriotismo do extremismo”.
O pastor inicia dizendo que “a classe política quase em geral com suas atividades obscuras e muitas vezes ilícitas, cria uma onda de desânimo e indignação no povo”, o que torna compreensível algumas reações populares.
De acordo com Motta, a eleição do então deputado federal Jair Bolsonaro, em 2018, se deu em decorrência de uma conjuntura político-social, construída por anos de manifestações populares, a influência de figuras como o filósofo Olavo de Carvalho e os desdobramentos da operação Lava Jato.
Nesse contexto, diz o pastor, “o Messias que nunca pretendeu ser o salvador, se elegeu com a força das manifestações da população indignada, e, do sentimento antipetismo. Ao assumir o cargo, trouxe de volta a esperança de um governo menos paternalista, mais técnico, liberal na economia e o tão ignorado patriotismo.”
Despertar patriótico
Heuring Motta continua em seu artigo para o site Opinião Crítica, dizendo que, de fato, o governo Bolsonaro promoveu “um despertar patriota, o amor as cores do nosso país e de pertencimento”, mesmo diante de graves problemas como a pandemia e a guerra na Ucrânia.
Por outro lado, segundo o pastor Motta também “é correto afirmar que houve um despertar do patriotismo, mas também em simetria, surgiu uma classe de extremistas que cultuaram a figura do ex-presidente como aquele que foi enviado por Deus para salvar o Brasil.”
“Com apoio de evangélicos, católicos e figuras importantes das duas religiões, surgiu em torno do ex-presidente e sua esposa Michele Bolsonaro, uma áurea mística de que eles eram os ‘remanescentes’ que poderiam salvar o Brasil do comunismo”, observa o pastor.
Como resultado dessa moldura religiosa associada à figura de Bolsonaro, Heuring Motta acredita que isso acabou contribuindo para o surgimento de apoiadores radicalizados, mesmo entre os evangélicos, o que ele classificou como “culto” ao ex-chefe do Executivo nacional.
“O resultado deste culto ao presidente e sua família, foi o extremismo. Pessoas começaram a simbolizar, interpretar gestos, palavras, vestimentas, objetos com a finalidade de massificar através dos vídeos ou textos que enfatizavam como alertas o pós eleição, Bolsonaro com o apoio das FFAA salvaria a nação das garras esquerdistas”, escreve o pastor.
A diferença
Heuring Motta, por fim, conclui explicando que a grande diferença entre patriotismo e extremismo está em saber não depositar toda a expectativa em relação ao futuro numa simples “canetada”, algo esperado pelos apoiadores de Bolsonaro que passaram mais de dois meses acampados em frente aos quartéis do Exército Brasileiro.
Muitos desses apoiadores esperavam que o então presidente da República emitisse um decreto de Garantia de Lei e da Ordem (GLO), questionando o resultado da eleição presidencial de outubro passado.
“O conservadorismo condena o extremismo e sempre apoiará o patriotismo. Milícias revolucionárias vem da mentalidade marxista, é próprio da substância socialista. Destruir patrimônio ou seguir cegamente um homem na esperança da canetada salvadora é o oposto do pensamento conservador”, diz o pastor.
Para Motta, citando o filósofo Roger Scruton, ser patriota é ir de encontro à “divinação ao homem imperfeito”. Ao invés disso, é cultivar o “sentimento de amar, pertencer, preservar ainda que todas as circunstâncias sejam adversas.”