A teologia inclusiva existe na periferia do movimento LGBT e, de tempos em tempos – na maioria das vezes, às vésperas de uma Parada Gay – a mídia joga holofotes sobre figuras que se apresentam como lideranças religiosas revolucionárias. E esse é o caso de Alexander Salvador, 36 anos, visto como “a primeira pastora trans” da América Latina.
Salvador, que prefere ser tratado como Alexya, cresceu em uma família católica e chegou a frequentar o seminário para ser padre. No meio dos estudos, desistiu da ideia do sacerdócio por saber que tinha atração por homens.
“Quando terminei o curso de Filosofia saí do seminário, entendi lá não era o lugar para mim. Eu tinha dentro de mim esse peso de Deus me condenar. Não queria ser um padre e causar mais um escândalo para a igreja”, afirmou, em entrevista ao portal Vice.
Convencido de que não seria um heterossexual, procurou os pais para dizer que tinha conflitos quanto à sua sexualidade: “Meu pai foi logo dizendo: ‘Se você for viado eu até aceito, mas se eu vir você vestida de mulher, eu te mato’. Na hora tive que pensar rápido e vi que seria uma porta aberta me aceitar como um homem gay”, contou.
Comunidade
Em 2009, conheceu Roberto Salvador, homossexual, e iniciou um relacionamento que dois anos depois foi oficializado na Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), adepta da teologia inclusiva, que realiza cerimônias de uniões homossexuais.
Em 2012, depois de conviver um ano com outros frequentadores da ICM, como travestis e drag queens, ensaiou sua mudança de identidade usando apetrechos e roupas femininas. Esse foi, no entanto, o primeiro passo para a transformação completa da aparência. “Tive medo de perder meu marido se me assumisse mulher”, disse.
O medo de perder o companheiro veio porque Alexya se vê como mulher, e o marido sendo homossexual, poderia rejeita-lo: “Ele tinha tudo para falar que era gay e me largar, mas ele falou que me ama independentemente do que ele está vendo”.
A frequência na ICM, aliada ao histórico prévio de estudo religioso no seminário, rendeu um convite para ser “diaconisa” na denominação. Passou a mesclar suas atividades clericais com o trabalho diário, que consiste em dar aulas de português e inglês em dois colégios, cuidar dos filhos adotivos e do companheiro, além de costurar como forma de aumentar a renda.
Heresias
O cargo de diaconisa foi motivo para se matricular em um curso de teologia, o que permitirá sua ordenação ao pastorado até o final deste ano. Assim, sente-se à vontade para divagar sobre as heresias pregadas na teologia inclusiva: “Jesus Cristo foi o primeiro homem trans”, afirmou na entrevista, e também em um vídeo que circula nas redes sociais.
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“Nós aprendemos desde o Gênesis que existe a Santa Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Deus, portanto, mandou seu filho para a terra. Jesus, o filho, tinha o gênero divino, correto? Então, quando ele desceu para a terra ele passou a ter o gênero humano. Então, se Jesus pode se transicionar, por que eu não posso?”, questionou.
As ideias, heterodoxas e conflitantes com a própria Bíblia, mostram uma disposição para a interpretação livre e compromissada apenas com a aceitação de seu público: “Esse Deus que fica 24 horas no trono, o Todo Poderoso, que você esbarra em algo e ele te condena — a gente não faz essa leitura, a gente acha que Deus é mãe, é amor”, sublinhou.
Questionado se a homossexualidade e a ideologia de gênero não seriam ofensas a Deus, como o cristianismo e as demais religiões monoteístas têm pregado há milênios, Alexya Salvador desconversa valendo-se do relativismo: “Pecado é o que faz mal para você e outra pessoa”.
Na sequência, falando sobre como é seu cotidiano nas ruas devido à sua aparência, admite que causa ódio nas pessoas. A própria afirmação se encaixaria em sua definição de pecado.
“Eu recebo inbox o tempo todo de pessoas perguntando se eu faço programa. Se eu e o meu marido topamos fazer sexo a três. A sociedade me odeia e me sexualiza ao mesmo tempo. Quando encontro uma mulher cis na rua ela elogia meu trabalho, mas quando é homem cis é outra coisa. Logo ele olha pro meu peito, me elogia de outra forma, encara minha bunda e provavelmente se pergunta o que eu tenho no meio das pernas”, afirmou, antes de se valer da sinceridade: “Eu, mulher transgênera gero uma relação de amor e ódio nas pessoas, sentimentos que andam grudadinhos”, disse.
No vídeo que percorreu todas as redes sociais recentemente, Alexya afirmou que “Deus é travesti”, e a declaração parece ser parte dos valores de sua igreja: “Na ICM a gente ousa dizer que Deus é mulher. Porque essa parte masculina de Deus é muito feia”, finalizou.