Em um artigo publicado na Revista Cult, a jornalista Amanda Massuela comentou sobre o uso de técnicas da psicanálise por pastores evangélicos para cativar os fiéis de forma a, segundo ela, “aumentar o rebando e o dízimo”. A jornalista comenta no texto sobre um grande aumento no número de pastores que usam o estudo das teorias de Sigmund Freud nos púlpitos das igrejas.
Usando como exemplo a Igreja Universal, Massuela afirma que muitos pastores costumam abordar em suas pregações temas contemporâneos, e comumente associados a tratamentos psicoterápicos, psicanalíticos ou mesmo psiquiátricos: como o medo e a síndrome do pânico.
Citando o psicanalista Wellington Zangari, ela afirma que a estratégia das igrejas neopentecostais e de seus pastores tem sido a da assimilação, reinterpretação e incorporação dos diversos discursos presentes na cultura.
– Grande parte das igrejas neopentecostais se pretende especializada no cuidado de três conhecidos ‘problemas’ humanos: a saúde, o amor e o dinheiro – afirma o psicanalista, que é doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo e vice-coordenador do Laboratório de Psicologia Social da Religião do Instituto de Psicologia da USP.
– Para alguns pastores, não importa se existem médicos, psicólogos e outros profissionais de saúde para lidar com questões de doença. Há sempre uma interpretação bíblica para oferecer e vender saúde – completa.
Segundo a jornalista, por não se tratar de uma profissão regulamentada, muitos pastores procuram entidades como a Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil, que oferecem cursos livres a qualquer interessado.
O pastor Izilmar Finco, formado recentemente pela entidade, explica a procura de pastores pela psicanálise afirmando que se um religioso deseja desenvolver um bom ministério pastoral, ele precisa acumular uma série de conhecimentos, além da teologia.
– Claro que a área da psique é uma delas. O pastor precisa se conhecer bem e saber como conhecer o outro. Uma abordagem correta do problema é o primeiro passo para ajudar a encontrar a solução e a cura – afirma o pastor, explicando que com o auxílio da psicanálise ele não atribui tudo a questões espirituais.
Porém, o uso de tais estudos com objetivos pastorais não é bem visto por todos os evangélicos. O pastor Gildásio dos Reis, da Igreja Presbiteriana do Parque São Domingos, em São Paulo, e docente no Centro de Educação, Filosofia e Teologia (CEFT) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que teologia e psicanálise partem de pressupostos completamente diferentes. Reis afirma não acreditar ser honesto um pastor evangélico “atender pacientes utilizando acriticamente uma técnica que diverge sob muitos aspectos da fé cristã”.
Entre os psicanalistas, também há controvérsias sobre sua aplicação por pastores. Sérgio Laia, analista membro da Escola Brasileira de Psicanálise e professor do curso de Psicologia da FUMEC, em Belo Horizonte, afirma que há um problema conceitual na aliança entre a prática da psicanálise e o trabalho pastoral.
– A perspectiva de Freud era a de que a religião está para a civilização assim como a neurose está para o indivíduo. É dessa forma que a psicanálise lida com a religião; e uma pessoa que pratica uma atividade religiosa dificilmente aceitaria esse tipo de definição – explica Laia.
Apesar das divergências, já existem entidades, como a Faculdade Gospel, que oferecem cursos como “psicanálise clínica pastoral” e “psicanálise cristã”.
Doryedson Cintra, professor de psicanálise da Sociedade Contemporânea de Psicanálise (SCOPSI), também critica o uso das teorias de Freud por pastores e afirma que as religiões evangélicas estão praticando uma psicanálise selvagem, que ele classifica como uma espécie de chantagem terapêutica.
– Os pastores sabem que há algo na vida de cada indivíduo que inspira o medo e o terror. Só não sabem o quê. Com a apologia ao medo, eles incitam os membros a ponto de despertarem um comportamento histriônico, uma espécie de teatralidade muito comum nos casos de possessão – afirma.