A ênfase que Jesus deu ao perdão na oração que Ele ensinou a seus discípulos é um indicativo da importância que essa ação consciente tem na vida do cristão. Porém, muitos fiéis se mostram resistentes a esse ensinamento, enquanto outros ainda não aprenderam sobre perdoar.
Um grupo de pastores está alertando que tristeza, lembranças dolorosas ou amargura e ressentimento para com os outros são sentimentos que não devem encontrar morada permanente no coração dos cristãos, já que o perdão traz alívio e alegria na reconciliação.
Ao longo da Bíblia, Deus mostra o quanto Ele valoriza o perdão. Em Colossenses 3:13, Ele instrui os cristãos a perdoarem “como o Senhor vos perdoou” e em Marcos 11:25 a “perdoá-los, para que vosso Pai celestial vos perdoe os vossos pecados”.
Perdoar por quê?
Por que Deus espera que os cristãos perdoem e por que o perdão é cada vez mais difícil para muitos crentes que não estão dispostos a perdoar, mesmo depois de anos ou décadas? Uma pesquisa de 2019 constatou que, embora a maioria dos cristãos tenha perdoado algo em algum momento, um em cada quatro cristãos não consegue para perdoar facilmente.
James Slick, pastor presidente da Summit Baptist Church em Acworth, Geórgia, disse que sempre haverá necessidade de perdão, porque, em todo relacionamento, haverá fraquezas, desafios e lutas:
“Em nosso relacionamento com Deus, sempre há necessidade de perdão porque sempre seremos imperfeitos. Por mais que tentemos ser pessoas realmente boas, ainda cometeremos erros. Ficaremos aquém da glória de Deus. Teremos o que chamaríamos de pecado em nossas vidas”, disse Slick ao portal The Christian Post.
“Há uma necessidade constante de que haja perdão que pedimos a Deus ou que Deus nos concede. E a mesma coisa existe em nosso relacionamento com as pessoas. O resultado final é que não sou perfeito. Eu cometo erros. E como resultado do fato de que nunca seremos perfeitos, sempre haverá necessidade de perdão”, conceituou o pastor.
Slick disse que aprendeu em sua vida que nunca há razão para negar o perdão a ninguém, porque a amargura só machuca a pessoa que a abriga, e contou que enfrentou duas situações trágicas em que teve que encontrar o perdão e não foi fácil. Porém, ele sabia que tinha que conseguir perdoar para obedecer aos mandamentos bíblicos:
“Percebemos em um momento de nossas vidas que um de nossos filhos havia sido abusado sexualmente por outro membro da família. A única coisa que posso dizer é que continuo voltando ao que acredito que as Escrituras ensinam e é isso que Jesus disse: ‘Se você não está disposto a perdoar as pessoas pelos seus pecados, como pode esperar que eu esteja disposto a perdoá-lo?’”, ponderou.
“Isso tem sido algo que realmente tem sido o pensamento principal em minha vida enquanto eu estou no ministério. Porque às vezes, quando você está no ministério, todos imaginam que você é muito bem tratado, só porque representa Jesus Cristo. Mas nem sempre é assim”, avançou o pastor, falando do contexto ministerial.
Em seu relato, Slick disse que, além de perdoar o abusador de seu filho, também teve que perdoar seu pai por muitas coisas que aconteceram quando ele estava no Ensino Médio e na faculdade: “Fui criado em uma família onde meu pai sofreu muito com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) como resultado de um trauma que sofreu enquanto estava no Exército. Isso foi anos atrás, antes que o TEPT fosse diagnosticado de maneira adequada ou precisa, e foi antes de se saber que existia”, relembrou.
Todo essa dor e sofrimento causou feridas entre pai e filho: “Nosso relacionamento foi muito tumultuado, principalmente por causa dos problemas que ele vivenciava com o TEPT. E vou ser honesto, foi preciso muita oração e muita busca pela ajuda de Deus para chegar ao ponto em que eu pudesse dizer ‘eu te perdoo’”.
Perdão x Arrependimento
O pastor Slick disse que o perdão se tornou cada vez mais difícil porque o pecado nos afasta de Deus: “Acho que o que aconteceu em nosso mundo é que nos distanciamos cada vez mais dos princípios bíblicos no que se refere aos tipos de relacionamento que deveríamos ter não apenas com Deus, mas também aos tipos de relacionamento que deveríamos ter uns com os outros”.
“Vivemos em um mundo muito egocêntrico, onde a maioria das pessoas funciona com base no que eu chamaria de sabedoria terrena, em oposição a uma sabedoria celestial. À medida que você toma decisões, isso traz impacto nos tipos de relacionamento que você tem com as pessoas, o que acaba por impactar sua atitude em relação ao perdão, ao encorajamento, ao amor e ao apoio e a todas essas questões que acho que estão claramente delineadas nas Escrituras”, finalizou o pastor James Slick.
Outro pastor, Charles Washington, da Igreja do Templo de Regeneração em Raleigh, Carolina do Norte, disse que o perdão é uma “postura do coração”, que em muitos aspectos reflete o próprio arrependimento.
“Arrepender-se significa mudar. Arrepender-se significa tomar uma decisão. Se eu fui pego em algum pecado, quando me arrependo, não é só dizer ‘sinto muito’. Está dizendo que abandonei o que estou fazendo. Mudei meu coração e mudei de ideia para não fazer isso de novo, e estou indo em outra direção para seguir a Cristo”, resumiu Washington.
“Da mesma forma, o perdão é uma coisa do coração. Assim como o arrependimento, se eu perdoar, não voltarei ao mesmo assunto. Eu não fico falando sobre isso. Não preciso ficar repreendendo você ou falando com você porque eu o perdoei em meu coração. Não importa o que você diga”, descreveu. “Jesus falou com muitas pessoas na Bíblia sobre como elas diriam as coisas, mas o coração delas não estava certo e Ele sabia disso. Seus lábios não combinavam com seu coração”.
Washington disse que se alguém quiser perdoar, precisa estar ciente de que seu coração é a primeira coisa que precisa ser mudada porque o perdão começa no coração: “Com Deus e com o cristianismo, tudo é uma questão de coração. É por isso que Davi disse: ‘Senhor, cria em mim um coração limpo’. Ele não disse: ‘Senhor, apenas mude minha boca’. Porque se eu mudei minha linguagem, mas meu coração não mudou, então isso não significa nada. E ‘fora do coração, a boca fala’”, explicou o pastor.
Como testemunho pessoal, Washington contou que teve que aprender a viver sem o pai, que o abandonou quando ele tinha 8 anos, e por isso conviveu com amargura e ressentimento por muitos anos: “Foi difícil para mim por um tempo lidar com isso. Eu guardei muita mágoa, dor e falta de perdão por isso. Mas percebi que só estava me machucando ao mantê-lo em cativeiro. E ao pensar que o estava mantendo em cativeiro, era eu quem estava atrás das grades da prisão”, disse ele.
“Eu lidei com isso por muitos anos. Tive que pedir a Deus que me desse um coração perdoador, para que eu pudesse perdoar e foi assim que superei isso”, relembrou, lamentando que a “geração de selfies” não entenda o perdão: “Estamos na geração em que, em geral, tudo se tornou muito sobre nós mesmos. A Bíblia diz: ‘Nos últimos dias, os homens serão amantes de si mesmos’. Essa Escritura meio que nos diz em que dia estamos”.
O foco em si mesmo levou as pessoas à ausência de amor ao próximo: “As Escrituras nos dizem que nos últimos dias seremos ‘uma geração egoísta’. […] Com todas as plataformas de mídia social, o que importa é quantas curtidas e seguidores você consegue. Eu entendo por que isso está acontecendo porque o mundo ensina você a ser totalmente focado em si mesmo”, constatou o pastor.
Em sentido contrário, destacou, “a Bíblia ensina a ‘negar a si mesmo, tomar a sua cruz e segui-Lo’”, o que nos coloca na contramão do mundo: “É uma filosofia diferente. Você tem o Reino da luz e o reino das trevas. E muitos de nós no mundo somos influenciados pelo reino das trevas e não pelo Reino da luz”.
O papel da Igreja no perdão
Andy Rogers, pastor do ministério da família na Capital Life Church em Arlington, Virgínia, afirmou que é preciso reconhecer que muitas igrejas estão trabalhando para espalhar o perdão entre seus membros:
“Se você começar a viver em um mundo que acolhe, que estende o perdão e recebe perdão regularmente, você será uma pessoa mais saudável. Realmente não precisa ter tanto a ver com as quatro paredes da igreja”, disse Rogers. “Sabemos que a Igreja está compartilhando essa verdade se for uma igreja que crê na Bíblia, que acredita que a Palavra de Deus é a Palavra inerente de Deus, que tudo o que está nela é real, que tudo nela é verdade, e que você tem que aceitar a Palavra de Deus como ela é”.
Ele também contou que é fácil achar que perdoou sem que isso tenha acontecido realmente, e falou sobre um caso em que achava ter perdoado outra pessoa, mas depois constatou que ainda sentia amargura: “Havia um pastor para quem eu trabalhava e fui dispensado de uma igreja. Algumas coisas estavam acontecendo na igreja. Não foi muito saudável. Pediram-me para sair e não fiz nada de errado. Eles não puderam me dar uma razão, a não ser o fato de que eles estavam fazendo uma espécie de ‘limpeza’, apenas para trazer algumas pessoas novas que não sabiam sobre algumas coisas passadas que aconteceram na igreja”, relembrou.
“Na verdade, pedi perdão ou algo assim pelos sentimentos que tinha por ele. E também queria compartilhar algumas coisas que me magoaram profundamente e ele teve a oportunidade de se desculpar. Na verdade, sentamos no Starbucks e fizemos essa reconciliação. 10 anos depois, estávamos ambos no mesmo lugar juntos e meio que cruzamos os caminhos. E todos aqueles velhos sentimentos de mágoa e amargura ressurgiram e ficaram evidentes na maneira como tratei o pastor. E eu pensei ‘o que aconteceu? Eu o perdoei há 10 anos’”, contou, admitindo a própria surpresa com a profundidade da amargura que estava guardada em seu coração.
Descobrir isso, disse Rogers, o magoou ainda mais do que o próprio sentimento negativo que tinha pelo fato do passado: “Isso nega o trabalho que Jesus fez quando o abordamos e tentamos lidar com isso por conta própria. Temos que deixar isso de lado. Quando continuamos repetindo mágoas passadas em nossas mentes, isso faz parte de ressentimento. Temos que deixar isso para lá”, ensinou.
Falsa obediência
Uma razão pela qual os cristãos podem se afastar cada vez mais do perdão é porque podem estar a dizer “eu te perdôo” para obedecer a Deus externamente, mas não estão realmente empenhados num perdão genuíno para com aqueles que os prejudicaram.
“Nossa sociedade como um todo não está muito disposta a perdoar. Como pastor do ministério familiar que trabalha com as gerações mais jovens, penso que é ainda mais importante para nós, adultos, chegar à próxima geração na Igreja e explicar o que o perdão faz, quais são os benefícios de ser perdoado”, incentivou.
“Sendo um crente, você precisa ter uma melhor compreensão de quem é Jesus Cristo e porque, por si só, o perdão é bom. Mas a menos que você adicione esse elemento de Jesus Cristo fazendo esse trabalho em seu coração, isso não significará muito”, encerrou o pastor.
“Vocês, orem assim: ‘Pai nosso, que estás nos céus! Santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia. Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém’. Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas” –Mateus 6:9-15.