A crise ética que assola o Brasil expôs a rejeição do povo às ideias “progressistas” que integram a base do discurso dos políticos e partidos de esquerda. A constatação foi feita em uma pesquisa recente, que também evidenciou o que já é consenso na sociedade: família e religião são valores dos quais o brasileiro não abre mão.
A Fundação Perseu Abramo, um braço do Partido dos Trabalhadores (PT), realizou uma pesquisa nas periferias e descobriu que o brasileiro das classes C, D e E tem visões econômicas liberais, afeito ao empreendedorismo e ao reconhecimento meritório no âmbito profissional. Sobre os costumes, a pesquisa concluiu que as pessoas têm na fé e na família algo inegociável.
No relatório da pesquisa, os responsáveis se viram obrigados a admitir que “a família é o grande alicerce e solução para os problemas individuais e coletivos”, e que para o brasileiro, “a família […] é considerada a base da vida”.
“Os entrevistados […] utilizam expressões superlativas como ‘é tudo, é o que faz valer a pena’, ‘é o porto seguro, o que mantem a gente na linha’”, para se referir à família, diz o relatório, que acrescenta: “[A família] é o que possibilita que sejam pessoas corretas e que tracem caminhos sem desvios. E é também o antídoto para a crise moral da sociedade”.
Essa base, segundo os entrevistados, é “necessária para a construção de uma sociedade mais correta, sem violência, sem corrupção, mais desenvolvida, com pessoas de caráter, honestas”. O relatório ainda salienta que para o brasileiro em geral, “o fracasso de uma sociedade é resultado da presença excessiva de famílias desestruturadas”.
Influência
De acordo com o jornal O Povo, o professor da Unicamp, Márcio Pochmann, vê que essa visão conservadora da população é fruto do crescimento dos evangélicos, especialmente os pentecostais e neopentecostais: “A igreja se reconstrói para estar mais próxima e disponíveis aos fiéis para ajudá-los na orientação do seu dia a dia, da sua família, na prestação do serviço”.
O sociólogo Gabriel Feltran, coordenador de Pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Núcleo de Etnografias Urbanas do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, disse ter constatado que há uma mudança na visão política das camadas mais pobres, influenciada pela adesão à religião.
“É um voto que concebe o mundo a partir da proximidade, da relação pessoal, da confiança na ética do candidato, um voto próximo e moral. Que por isso sempre esteve muito próximo das igrejas, espaços altamente politizados. E sabemos que a expansão pentecostal é muito mais conservadora que progressista, ao contrário das comunidades de base católicas”, comentou.
Débora Antunes, doutora em filosofia, contemporizou a constatação da pesquisa e sugeriu ser algo passageiro, afirmando que a visão conservadora de valores em cenários pós-crise não surpreende e se fez presente em vários momentos da história.
“O risco é uma participação cada vez menor das pessoas na luta por mudanças sociais mais efetivas. E isso pode gerar um agravamento das desigualdades e da culpabilização das pessoas pela sua situação de vida, seja pelo seu sucesso ou fracasso, quando na verdade não podemos tratar como iguais pessoas que tiveram pontos de partida diferentes”, alarmou.
Evidências
Todo o relatório da pesquisa da Fundação Perseu Abramo pode ser verificado na prática com o resultado das últimas eleições. Em 2014, quase 50% dos eleitores votaram para rejeitar o PT e a reeleição de Dilma Rousseff. A vitória da então presidente não freou, no entanto, a sede por mudança e punição a crimes cometidos pela esquerda.
Dilma foi destituída de seu cargo oficialmente em agosto, e meses depois, nas eleições municipais, o PT viu seu maior encolhimento, perdendo centeas de prefeituras Brasil afora. O caso mais emblemático foi registrado na capital paulista, em que o estreante João Doria (PSDB) venceu o pleito no primeiro turno, com 53% dos votos, derrotando, dentre outros, o petista Fernando Haddad, que tentava reeleição.