Um novo projeto de lei criado pelo Deputado Pastor Eurico (PHS-PE) visa suspender a resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que trata como Psicólogos devem se portar sobre orientação sexual e homossexualidade. A intenção do projeto é permitir que esses profissionais tenham mais liberdade em poder lidar com pacientes/clientes homossexuais, mas principalmente em poder se manifestar publicamente sobre a orientação sexual.
Recentemente, o projeto N. 234/11 de autoria do Dep. João Campos, que visava anular o parágrafo único do artigo 3º e o artigo 4º também da Resolução N. 001/99, foi apelidado erroneamente pela mídia e por ativistas LGBTs de “cura gay”, mesmo sem fazer qualquer referência a terapias de reversão da homossexualidade, mas tão somente defender os “direitos e deveres” do Psicólogo conforme a Constituição brasileira.
Com base nisso, o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 539/16, por sua vez, do Deputado Eurico, faz questão de deixar claro em seu texto original que também não propõe a “cura gay“, mas sim a defesa do Congresso Nacional, e apenas ele, em poder legislar sobre “direitos e deveres” dos cidadãos, no caso em questão, os Psicólogos. Com trechos em caixa alta, diz o texto:
“ESTE PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO NÃO TRATA DE “CURA GAY” ou qualquer outro tipo de cura, mas simplesmente estabelecer a competência do Congresso Nacional em legislar sobre temas que retiram o direito do profissional de exercer a sua função, com efeito, afastando qualquer tipo de discriminação.”
Direitos e deveres do Psicólogo são competências do Congresso e não dos Conselhos de Psicologia
O (PDC) 539/16 se baseia na afirmação de que os Conselhos de Psicologia não podem criar resoluções que tratam dos “direitos e deveres” dos Psicólogos, como a Resolução 01/99, pois isso invade a competência do Congresso Nacional, ao interferir no Princípio da Separação dos Poderes, o Princípio da Legalidade e o Princípio da Liberdade de Expressão, baseado no art. 5º, inciso II da Constituição, art. 37, caput e art. 2º, caput, sobre o abuso de poderes.
Na prática, isto significa que os Conselhos de Psicologia, por serem entidades representativas (autarquias), tem o poder de regular e fiscalizar apenas o exercício da atividade profissional, mas não os “direitos e deveres” do Psicólogo como um cidadão na sociedade, por exemplo, podendo fazer palestras, pesquisa científica, publicações, conceder entrevistas, seminários, aulas, etc., sobre temas que envolvem a orientação sexual, de modo que sua concepção científica, filosófica ou até mesmo religiosa sobre a “homossexualidade” não seja cerceada pelos Conselhos e o profissional punido.
“Se quiserem restringir direitos e deveres de profissionais da psicologia, que o Conselho Federal de Psicologia mande sua proposta para este Parlamento, a fim de debatermos sobre a vedação ou não de determinadas condutas da profissão.”, diz o projeto.
Embasamento jurídico contra a Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia
O embasamento jurídico do PDC 539/16 é bastante objetivo. Resumidamente, ao citar o artigo 5º, IX, da CF, argumenta que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Trata-se, portanto, de uma liberdade garantida pela Constituição Federal que a Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia parece violar, como vemos nos trechos a seguir:
“Art. 3º – Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4º – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes…”
O problema do art. 3º e 4º está na sua margem de interpretação, que devido a subjetividade, permite que “qualquer ação”, bem como “pronunciamentos públicos”, sejam interpretados pelos julgadores dos Conselhos de Psicologia como, de fato, tudo o que diz respeito a vida do Psicólogo, e não apenas ao exercício da profissão, mas também em sua atividade “intelectual, artística, científica e de comunicação”, garantidas pelo art. 5º da CF.
Na prática, por exemplo, se um Psicólogo publicar um artigo, livro, ou der palestras, aulas ou entrevistas, citando pesquisas científicas ou mesmo suas próprias pesquisas, onde afirma que o desenvolvimento da identidade de gênero homossexual, em muitos casos, tem relação com o abuso sexual sofrido na infância, ele poderá ser punido, uma vez que tal “ação” e/ou “pronunciamento” podem ser considerados um incentivo a “patologização” ou “preconceitos sociais”. Dessa forma, segundo o PDC 539/16, fica evidente que a liberdade intelectual e científica do profissional de Psicologia está sendo seriamente limitada no Brasil.
Da mesma forma ocorre no parágrafo único do Art. 3º da Resolução 01/99, ao dizer que tais profissionais “não colaborarão com eventos e serviços” que proponham “tratamento e cura” da homossexualidade. Nesse caso, uma vez que a homossexualidade não é considerada uma doença a ser “curada”, o que pode estar em jogo é a liberdade religiosa dos Psicólogos, pois no âmbito da fé cristã, por exemplo, tal comportamento é considerado um pecado contra Deus.
Portanto, se um Psicólogo, como membro de uma igreja, participar de “eventos e serviços”, como discipulados, grupos de orações, estudos bíblicos, congressos, aconselhamento, etc., para lidar com homossexuais em sofrimento espiritual que desejam mudar o comportamento, esse profissional também poderá ser punido sob acusação de “colaborar” com algo que visa “tratar” a homossexualidade, mesmo que sua abordagem não seja através da Psicologia, e sim da religião, e mesmo que não atue como Psicólogo, mas sim como um líder religioso, por exemplo.
Tramitação do PDC 539/16 e os reflexos na atuação dos Psicólogos após suspensão da Resolução 01/99
O projeto vai para análise das comissões de Direitos Humanos e Minorias, Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania, para só então ser votado no Plenário da Câmara dos Deputados.
Se aprovado, os Psicólogos em geral, em especial profissionais como a Psicóloga Cristã Marisa Lobo (capa), que lida publicamente através de livros, palestras e entrevistas, sobre o tema da homossexualidade e da ideologia de gênero, poderão se manifestar com maior liberdade, sem o receio da punição por apresentarem outras perspectivas de compreensão acerca desses temas, tanto no âmbito científico, enquanto Psicólogos, como no religioso, politico, sociológico ou filosófico, enquanto cidadãos.
O texto do projeto, porém, deixa claro que a liberdade de expressão dos Psicólogos, assim como de todos os cidadãos, está submetida à Constituição Federal, não sendo motivo para qualquer tipo de discriminação; “se tal manifestação atingir a dignidade da pessoa humana, o sujeito pode ser responsabilizado civilmente e criminalmente.”, acrescentando que:
“…existe proteção legal do Estado caso o sujeito ultrapasse os seus limites de manifestação, não podendo o seu agente usurpar desse direito para discriminar pessoas, pois se o fizer, certamente, o direito civil e criminal lhe alcançarão, conforme bem analisado pelo STF: ‘As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria CF (CF, art. 5º, § 2º, primeira parte)'”.
O texto também destaca que a suspensão da Resolução 01/99 visa dar maior liberdade para que pessoas “egodistônicas” procurem ajuda psicológica, sem que os profissionais se sintam intimidados ao lidar com essa demanda, uma vez que diz respeito a uma possível mudança de orientação sexual:
“Uma sexualidade egodistônica [quando o indivíduo sabe qual é a sua orientação sexual, como a homossexual, por exemplo, mas não se sente bem com ela e sofre por conta disso] pode causar sofrimento psíquico, sendo esta a queixa de diversas pessoas que buscam atendimento psicológico”, disse o Deputado Eurico.
Defesa da Resolução 01/99 que trata da orientação sexual e atuação dos Psicólogos
O Conselho Regional de Psicologia do Paraná publicou uma nota comentando a nova proposta para suspender a Resolução 01/99. Em sua página oficial, após fazer uma rápida reportagem da notícia, diz um trecho da nota:
“A homossexualidade não é considerada uma doença e, portanto, não devem ser oferecidos tratamentos ou outras ações que estigmatizem e induzam ao preconceito. […]
O CRP-PR é contra atitudes conservadoras e de fundamentalismo religioso, com propostas restritivas de aprisionamento de subjetividades pela lógica da culpabilização, da negação e do combate a questões como gênero e sexualidade. Tais discursos negam as subjetividades e impedem a construção de uma relação harmoniosa com aspectos positivos da religiosidade, espiritualidade e fé.”
Percebe-se que a nota sugere, de forma implícita, que o PDC 539/16 é fruto de “atitudes conservadoras e de fundamentalismo religioso”, deixando claro, ao que parece, a tentativa de atribuir a iniciativa religiosa a criação do projeto que visa suspender a resolução 01/99.
Além disso, a nota deixa transparecer uma concepção de viés ideológico, e não científico, ao afirmar que a “lógica da culpabilização” seria responsável pela condição de sofrimento psicológico de pessoas, que, por ventura, sendo homossexuais, queiram mudar de orientação sexual devido a pressão social.
No entanto, esse é um argumento que se aplicado a toda condição de sofrimento psicológico, seria impossível discernir o que é culpa dos estigmas sociais, do que é o fruto genuíno de um sofrimento individual, pois iria requerer um pré-julgamento constante por parte do terapeuta acerca da demanda do seu paciente/cliente, o que coloca em chegue uma das máximas da sua profissão, que é a aceitação incondicional destituída de visões preconcebidas.
Sem qualquer menção ao caráter objetivo e mérito jurídico do PDC 539/16, que alega haver uma violação ao artigo 5º, II, da CF, ao garantir que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” [constitucional], a nota enfatiza o que seriam “aprisionamento de subjetividades”, deixando parecer, também, o caráter subjetivo e evasivo da própria nota, que finaliza:
“A aprovação do projeto citado representaria um retrocesso na luta pelos direitos de cada um e também uma deterioração na qualidade do serviço psicológico prestado à população.”
Por fim, ao que parece, além de não tratar o aspecto objetivo do PDC 539/16, que diz respeito a violação da competência entre os poderes em estabelecer “direitos e deveres” para os cidadãos, como a liberdade de manifestação e produção intelectual, científica, incluindo a dos Psicólogos, a nota chama de “retrocesso” e “deterioração” o que, na prática, pode significar um avanço na promoção da liberdade individual não apenas dos Psicólogos, como das pessoas que desejam buscar ajuda profissional para lidar com suas demandas.
Para ler o texto completo do PDC 539/16, clique aqui.