Os primeiros indícios de que a mobilização popular que tem ido às ruas neste mês de junho pode fazer mais do que concentração de pessoas em praça pública foram noticiados ontem e hoje pela mídia. A PEC 37 foi rejeitada por esmagadora maioria na Câmara dos Deputados.
No contexto do levante social contra a corrupção e outras mazelas sociais, o pastor Ricardo Gondim publicou em seu site um artigo que trata das questões reclamadas por manifestantes, e a falta de envolvimento na causa por parte das igrejas evangélicas e seus pastores.
Gondim diz que “em plena ebulição de manifestantes lotando centenas de cidades pelo Brasil a fora, uma breve visita aos programas evangélicos revela não apenas a desconexão das principais igrejas-empresas, como a alienação que elas submetem seus fieis”.
Para o pastor da Igreja Betesda, em São Paulo, “dificilmente qualquer um dos famosos televangelistas se aventurariam nas ruas durante os protestos”, pois a sociedade criou uma imagem pouco amigável desses pastores.
“Nenhum deles marcharia ao lado daqueles primeiros manifestantes. Chego a pensar no pior. Se rasgaram bandeiras de partidos, imagine o que fariam aos mais audazes televangelistas – os que vivem de dedo em riste. Se já aconteceram relatos de discriminação contra pastores ao preencherem cadastro de crediário ou quando alugam casas e fazem o check in em hotel, numa passeata em que xingam tudo e todos, os pastores seriam linchados”, escreveu Ricardo Gondim.
Considerado polêmico devido a seus posicionamentos pouco ortodoxos em relação à postura dos demais pastores, Ricardo Gondim alerta que a Igreja precisa estar ciente do que acontece ao seu redor.
“Líderes evangélicos precisam acordar: o tempo reclama por mais do que mera retórica. Na inquietação popular, evidenciou-se a penúria dos sermões – o conteúdo dos púlpitos não vai além de chavões surrados, reciclados e esvaziados por excessivo uso”, lamentou, complementando que a mensagem bíblica e/ou a conduta cristã não livra fiéis das dificuldades que assolam aos outros brasileiros: “Como o evangelho não doura a pílula existencial, os pastores não podem ter a pretensão de que, em tese, os fieis, literalmente, andam sobre as águas, seguram serpentes sem serem picados e bebem veneno. Os cristãos também sofrem em ônibus lotados, também esperam semanas por vaga em hospital público e também sobrevivem com subsalários”.
Ricardo Gondim convoca um maior protagonismo dos cristãos na sociedade a fim de uma melhoria que urge: “Tornou-se inadiável o diálogo entre a igreja e os diferentes setores que reivindicam mudança radical. Ficou claro: o problema da corrupção, pobreza crônica e injustiça social extrapola pessoas e partidos políticos”, pontuou.
O texto do pastor conclui dizendo que “o Brasil ferveu e os pastores pediram aos crentes que orassem”. Gondim lamenta a opção feita por aqueles que não apoiam a luta popular por um país menos desigual: “Pobres líderes. Esqueceram da resposta de JHVH a Moisés diante do Mar Vermelho: Por que orar nesta hora? Manda o povo que marche. Infelizmente, poucos pastores têm coragem de serem os primeiros a colocar o pé nas águas tumultuadas de um oceano de incertezas. Mais uma vez grandes segmentos da comunidade evangélica perderam o kairós da história e de Deus. Repito: infelizmente”.
Leia a íntegra do artigo “A distância entre o púlpito e as ruas”, do pastor Ricardo Gondim:
Oportuno ressuscitar o Chacrinha: Quem não se comunica se trumbica. Em plena ebulição de manifestantes lotando centenas de cidades pelo Brasil a fora, uma breve visita aos programas evangélicos revela não apenas a desconexão das principais igrejas-empresas, como a alienação que elas submetem seus fieis. Todas mantêm o velho e sovado discurso do milagre, da bênção da prosperidade e da salvação para depois da morte. Resta uma pergunta: os comunicadores evangélicos são bem-sucedidos em suas empreitadas? A resposta cabe tanto um sim como um não. Sim, caso se considere o espetacular crescimento numérico dos crentes e fortuna que amealham. Não, se levarmos em conta o recrudescimento de preconceitos e a ostensiva rejeição que evangélicos sofrem entre os formadores de opinião.
Dificilmente qualquer um dos famosos televangelistas se aventurariam nas ruas durante os protestos. Nenhum deles marcharia ao lado daqueles primeiros manifestantes. Chego a pensar no pior. Se rasgaram bandeiras de partidos, imagine o que fariam aos mais audazes televangelistas – os que vivem de dedo em riste. Se já aconteceram relatos de discriminação contra pastores ao preencherem cadastro de crediário ou quando alugam casas e fazem o check in em hotel, numa passeata em que xingam tudo e todos, os pastores seriam linchados. Se políticos são considerados – numa generalização irresponsável – corruptos, o senso comum trata pastores como falastrões, sempre ávidos por dinheiro.
Eugene Peterson narra sua aflição numa conversa com um passageiro que viajava ao seu lado pela Ásia. Em determinado momento, o homem indagou a profissão de Peterson. Sou pastor, respondeu. A reação do homem foi constrangedora: Pastor, responda-me, por favor: por que, quando me vejo perto de um monge budista, tenho a sensação de estar ao lado de um santo homem de Deus, mas junto de um pastor fico com a impressão de que converso com um homem de negócios?
Líderes evangélicos precisam acordar: o tempo reclama por mais do que mera retórica. Na inquietação popular, evidenciou-se a penúria dos sermões – o conteúdo dos púlpitos não vai além de chavões surrados, reciclados e esvaziados por excessivo uso. A grande maioria dos pastores só tem um punhado de versículos – não passam de uma centena – pinçados dos contextos de guerra ou da percepção do Deus ainda tribal em Israel. Pastores repetem ad nauseum vitória nas batalhas e milagres excepcionais, mas não conseguem articular agenda de mudança social. O meio gospel trata como excepcionais evangelistas que decoram esses poucos versículos e conseguem citá-los, como rajada de metralhadora, no meio de um sermão. A retórica funciona bem entre os que se acostumaram à subcultura gospel, mas soa estranha fora de seus muros.
O tempo exige credibilidade. Cansado de corrupção, de conto-do-vigário, o povo precisa de um aceno mínimo dos pastores de que eles não participam da mesma cultura dos caudilhos, dos coronéis, das oligarquias e das elites que se favoreceram da miséria. Caso contrário, permanecerá no país a ideia de que eles não passam de espertalhões, prontos a surfar na onda que prevelacer. O povo os procurará apenas para conseguir bênção, mas jamais acreditará que têm proposta de como organizar a vida. Assim pastores se condenam à categoria de feiticeiros, hábeis na técnica de acessar o sobrenatural, fazendo com que a magia substitua o engajamento político e a religião continue vassala dos interesses de quem precisa de alienados.
Agora, mais do que nunca, tornou-se imperativo sintonizar sermão e vida. De nada serve lidar com conceitos que fazem todo sentido em torres de marfim. Como o evangelho não doura a pílula existencial, os pastores não podem ter a pretensão de que, em tese, os fieis, literalmente, andam sobre as águas, seguram serpentes sem serem picados e bebem veneno. Os cristãos também sofrem em ônibus lotados, também esperam semanas por vaga em hospital público e também sobrevivem com subsalários.
Tornou-se inadiável o diálogo entre a igreja e os diferentes setores que reivindicam mudança radical. Ficou claro: o problema da corrupção, pobreza crônica e injustiça social extrapola pessoas e partidos políticos. Qualquer partido, uma vez no poder, ficará exposto a uma estrutura que exige que ministros ou presidentes de estatais – da Petrobrás aos Correios – sejam ocupados, não por técnicos, mas por indivíduos que defendem os interesses particulares de caciques partidários.
O dilema shakespeareano em que o Brasil se meteu é: mudança ou revolução, eis a questão. Os neopentecostais brasileiros podem até pedir mudança, mas parecem indispostos a “vender tudo e dar aos pobres”. Envolver-se numa revolução radical de inclusão, ascensão social e justiça econômica custa caro – uma cruz. Em Para além do bem e do mal, Nietzsche disse que quando adestramos a nossa consciência, ela beija-nos ao mesmo tempo que nos morde. Fica a sensação de não haver grupo mais preocupado nesse adestramento do que os neopentecostais; e mesmo que não cogitem, eles estarão entre os que serão mordidos.
O Brasil ferveu e os pastores pediram aos crentes que orassem. Pobres líderes. Esqueceram da resposta de JHVH a Moisés diante do Mar Vermelho: Por que orar nesta hora? Manda o povo que marche. Infelizmente, poucos pastores têm coragem de serem os primeiros a colocar o pé nas águas tumultuadas de um oceano de incertezas. Mais uma vez grandes segmentos da comunidade evangélica perderam o kairós da história e de Deus. Repito: infelizmente.
Soli Deo Gloria
Por Tiago Chagas, para o Gospel+