O pastor Samuel Câmara, líder da Convenção das Assembleias de Deus no Brasil (CADB), avalia que parte do apoio dos evangélicos ao presidente Jair Bolsonaro se deve à identificação pela postura de disposição ao trabalho duro na busca pelos objetivos.
Câmara concedeu uma entrevista dizendo que o segmento evangélico da população brasileira se sente mal representado e tem uma rotina de “suor, lágrimas” na luta para conviver em sociedade.
“Tem horas em que batemos em repartições públicas e não encontramos um brasileiro que reflita 30% da população. Tudo para nós é suor, lágrimas. Evangélicos não estão proporcionalmente representados”, afirmou o pastor ao jornal Folha de S. Paulo.
Segundo a avaliação do pastor, parte das críticas que o presidente recebe se deve à “forma muito absolutista” de se expressar, mas que mesmo com aspectos negativos, Bolsonaro é “até melhor do que quem tem extrema capacidade, mas exclui qualquer tipo de fé”.
“Oro para que dê certo, que o Brasil vá se conformando”, acrescentou Samuel Câmara.
À jornalista Anna Virginia Balloussier, o pastor afirmou que considerou a iniciativa do ex-presidente Lula em busca de se reaproximar dos evangélicos “uma piada”, principalmente porque “a Justiça brasileira está atribuindo a ele muita corrupção”, algo que é inaceitável diante da perspectiva bíblica.
Confira a íntegra da entrevista do pastor Samuel Câmara:
Por que evangélicos são tão fortes no Norte, única região em que superam os católicos?
Assembleia de Deus, maior expressão evangélica do país, nasceu aqui. A interiorização dela é muito eficiente em toda a região, e temos dificuldades imensas de distância, de acessibilidade. O espírito missionário do povo do Norte e essa têmpera de um povo mais sofrido, mais esquecido, explicam do ponto de vista racional. Porque tem o elemento menos tangível, que são os planos de Deus. Quem chega primeiro com certeza espalha melhor sua mensagem.
E por que a Igreja Católica, com histórica dificuldade regional, não chegou primeiro, com a dominância que tinha?
Acho que se contentaram com a grandeza, a dimensão. Era a religião oficial do país. A maioria tende a se acomodar um pouco, né? Nossa convicção é que precisamos alcançar todas as pessoas. Sempre falamos que não podemos descansar porque hoje a Assembleia é tão grande, ou vamos passar a ter o que chamamos de católicos praticantes e não praticantes.
Esse fenômeno acontece entre evangélicos?
Persegue todos que crescem muito. A maioria dos evangélicos é praticante, mas já tivemos mais gente nas igrejas. Somos mais informais [que católicos e o Vaticano], não há hierarquia muito rígida.
Vocês se submetem a alguma convenção geral assembleiana?
Convenções, para as igrejas evangélicas, são apenas órgãos de confraternização, aglutinação de pastores. Não têm nenhuma ingerência sobre cada igreja. Na Assembleia do Brasil, existem pelo menos cinco grandes convenções. Uma Assembleia pode existir mesmo que o pastor não esteja ligado a nenhuma delas. Quem quer centralizar e ser maior se dá mal.
Infelizmente, [convenções] se transformaram em centros de controle, que, em vez de unir e potencializar, às vezes dividem a igreja [a igreja de Samuel rompeu com a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil em 2017].
É comum, para quem vê de fora, tomar entidades que dizem representar pastores como uma espécie de central.
Nós somos, nesse sentido, deficientes, até quando se fala em massa de manobra, essa coisa toda. É uma questão em que a gente perde muito dessas igrejas mais atuais, neopentecostais, nas quais um pastor é menor do que a instituição.
Na Universal do Reino de Deus, por exemplo?
Aí entra aquela questão sociológica. Tudo tem que vir do Rio, de São Paulo, onde [a Assembleia] não é tão influente.
Muitas vezes há confusão, entre não evangélicos, sobre quem é o que no segmento. Exemplo: o pastor Silas Malafaia é confundido como neopentecostal, mas é da Assembleia, pentecostal. Por que os neos se destacam tanto?
O crescimento deles, devido à sua presença na mídia e à localização de templos, dá a impressão de que seriam maiores. A Assembleia era mais da metade dos evangélicos brasileiros até pouco tempo. Com as outras igrejas chegando, perdeu um pouco dessa dimensão, o que para nós não é um demérito. Olhamos nosso trabalho como missão.
Qual a diferença entre pentecostais e neopentecostais?
O público leigo, acho, vê neopentecostais como mais vistosos, portentosos, com mais capacidade econômica. Seus pastores são aqueles que de algum modo desfrutam dessa condição de igreja que tem uma vida mais tranquila. São mais cosmopolitas, estão mais nas avenidas. Mas elas não representam mais do que 20% de nós. O que cresce é o templo no meio da rua simples, da favela. A diferença é que [as pentecostais] estão onde outras não vão. Essas pessoas, somadas, assustam de vez em quando as estatísticas.
Seu grupo assembleiano tem faculdade e rede de TV [ambas chamadas Boas Novas]. É preciso ir além da igreja-templo?
Quem chega à nossa posição, claro, precisa atrelar outros tipos de atividades: social, cultural e, vamos dizer, de comunicação. Não desprezamos como meio complementar, mas temos um medo horrível de atrasar o trabalho de alcançar pessoas com o amor de Deus. Alguns assembleianos às vezes se destacam mais. Nem sempre o foco deles é a atividade do dia a dia. Usam melhor o meio de comunicação.
Fala de [Silas] Malafaia?
A imprensa que faz essa seleção. Você já citou. E não temos só o pastor Silas. Ele é um dos que sabem se portar dentro de um mundo cheio de polêmicas, está disposto a um chamado de emitir opiniões. O perfil do pastor assembleiano mesmo, de comunidade, é um pouquinho diferente. Eles se expõem muito menos.
Muitas igrejas pentecostais não têm sites funcionais, seus pastores mal usam redes sociais. Isso preocupa?
Acho importante perceber que as neopentecostais estão festejando 25, 30 anos [a veterana Universal tem 42]. São produtos da mídia e de metrópoles. A Assembleia, com 109 anos, sempre vai mais lenta, inclusive para esses fins mais modernos. Mas, quando chega, também, chega com esse exército de gente. Os grandes fenômenos de hoje se destacam por serem igrejas especializadas em gerações, em tecnologia. A Assembleia nunca será muito isso. Entre evangélicos, somos como num icerberg: o corpo maior está dentro da água. As pontas que aparecem são interessantes, até. Ora causam dano, ora avisam aquilo que está ali.
É a primeira vez que temos um presidente que, embora não evangélico, vê no segmento um grande aliado e usa como lema “Deus acima de todos”.
Ele sabe que evangélicos são muito mais conservadores em termos de costumes. Um pouquinho mais atrasados nessa escala de liberação, de aventuras, né? Ele se utiliza muito bem disso. As igrejas oram muito pelo Brasil, oraram pelo governo anterior.
Bolsonaro foi o primeiro presidenciável apoiado por todos os maiores líderes evangélicos do país. Em 2010, por exemplo, as três maiores alas da Assembleia se dividiram entre Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva.
Não tínhamos como ajudar a manter o mesmo regime de governo que procurou fazer o melhor que pôde, mas levou o Brasil a um atoleiro, sobretudo ético. Se tivéssemos alguém de centro… Mas o pleito se polarizou. Não sei se Bolsonaro dará certo, mas a aposta nossa é que Deus tem que fazer alguma coisa em favor dos brasileiros.
[Bolsonaro] é até melhor do que quem tem extrema capacidade, mas exclui qualquer tipo de fé. Votei nele, continuo votando. Oro para que dê certo, que o Brasil vá se conformando, até nas falhas e nas fraquezas. Tem muita coisa que a gente esperava ser diferente, mas muita coisa que achamos que está chegando. A população está olhando melhor como o STF [Supremo Tribunal Federal] trabalha, o Congresso.
O STF é alvo frequente da família Bolsonaro, inclusive num vídeo que o compara a hienas…
Assim como Bolsonaro deve ser escrutinado pelo voto, o STF precisa de algum tipo de controle. Qual, não sei dizer. Ninguém toca no juiz. Parece o marginal com revólver, que pode matar sem ninguém reclamar. Não concordo com o exagero da brincadeira [da hiena], mas evito muito a mídia social. Acho um ambiente irresponsável. Quem vai para ela tem que estar disposto mesmo a bagunça.
O presidente defende pôr evangélicos em cargos do STF, de órgãos de cultura. Acha necessário esse filtro religioso?
Logicamente, a forma de Bolsonaro se expressar é muito absolutista, mas as pessoas pegam o lado extremo que querem. Ele de algum jeito ecoa um sentimento nosso. Tem horas em que batemos em repartições públicas e não encontramos um brasileiro que nos reflita, os 30% da população. Tudo para nós é suor, lágrimas. Os evangélicos não estão proporcionalmente representados.
Se eu pudesse dar um conselho ao querido presidente, é: fala pouco e faz muito. Evangélicos que dizem que nós vamos mandar no Brasil e que temos que ter presidente são desonestos e injustos. Se Deus é Deus e tem um plano absoluto para que o Brasil tenha convicções cristãs, Ele fará. Agora, o STF tem 11 ministros e nenhum evangélico. Mas não deve haver um só porque é evangélico, e sim porque é competente.
Lula orientou o PT a criar núcleos evangélicos e disse que ele mesmo tem “jeitão de pastor”.
Os brasileiros evangélicos eleitores devem ser parte da preocupação dele e do partido dele. Sem dúvida nenhuma somos um contingente grande. Quanto à afirmação de ter “jeitão de pastor”, estranho. Parece mais uma piada, uma brincadeira, mormente agora quando a Justiça brasileira está atribuindo a ele muita corrupção. Ele se distanciou bastante dessa figura de pastor. A misericórdia de Deus, claro, está disponível para todos. Espero que ele seja alcançado por essa graça de Deus.
Produções como o especial do Porta dos Fundos que traz um Jesus gay devem ser banidas?
Não vejo o que esperar de melhor dessa equipe. Acho que a censura e a reprovação estão sendo dadas pelo próprio consumidor, que é não consumir conteúdos tão irrelevantes e agressivos como esse. Não creio que devemos ter censura no país. A liberdade de expressão é de todos. Deles para falar o que quiser, de nós para repudiar e boicotar. Isso basta.