O teólogo e bacharel em Direito Mariel Marra, conhecido como “o crítico”, publicou artigo no blog Ponto de Encontro, comentando a condenação em primeira instância do pastor Caio Fábio, pela Justiça Eleitoral.
O artigo trata das questões legais a respeito do processo e da condenação, e apresenta agravantes, do que Marra chamou de “absurdo”, ligados ao fato de que Caio foi julgado e considerado culpado pela lei eleitoral, em sua aplicação à propaganda eleitoral, sendo que Caio nunca foi candidato a nenhum cargo público.
“Sabe-se que o chamado ‘dossiê Cayman’ foi feito fora de período de propaganda, nem tão pouco tinha fins de propaganda para o réu, posto que ele jamais foi candidato a cargo eletivo, mesmo diante de diversas ofertas”, comentou.
“Portanto não cabe sequer esta tipificação no código eleitoral, quanto menos ainda ilicitude e culpabilidade”, acrescentou Mariel Marra, questionando a legalidade do processo.
Marra questiona o que a linguagem jurídica chama de dosimetria penal, ou seja, a proporção da pena em relação ao suposto crime, réu e contexto do processo.
“O cálculo feito pela douta magistrada na sua dosimetria penal, a qual mesmo embora gozando do livre convencimento, este cálculo pode ser considerado questionável, posto que ela utilizou como pena base o máximo previsto (2 anos) no dispositivo legal e não o mínimo (6 meses), tal como expressivo número de magistrados brasileiros fazem estribados no princípio da intervenção mínima, dentre outros princípios do Direito que humanizam a aplicação da pena e protegem o apenado da mão pesada e desumana”.
Ele ressalta que crê na Justiça, que nas instâncias superiores, pode dar um novo rumo ao caso: “Mesmo condenado em primeira instância, cabe recurso em liberdade nas instâncias superiores do poder judiciário, de onde se espera justiça. Sendo que toda pena igual ou inferior a 4 anos é cumprida em regime aberto de acordo com o Art. 33, § 2º, alínea C e Art. 36 do Código Penal, podendo ser convertida inclusive em ‘serviços sociais’’’, lembrou Mariel Marra.
Afirmando não escrever em defesa de Caio Fábio, mas sim, por entender que se trata de “senso de justiça”, o teólogo lembra que “que mesmo a figueira não florescendo e a videira negando seus frutos, ainda sim o Senhor deve ser o motivo da nossa alegria”.
Leia o artigo de Mariel Marra, na íntegra:
Em reportagem recente do site Folha.com, 29/11, veicularam uma matéria sobre a condenação de Caio Fábio em seu suposto envolvimento com o chamado “dossiê Cayman” em 1998, cuja frase inicial da reportagem dizia que a Justiça Eleitoral havia condenado o pastor evangélico Caio Fábio D’Araújo Filho a quatro anos de prisão por seu envolvimento no referido dossiê.
Essa reportagem trata da setença proferida pela MMª juíza de primeira instância da 258ª zona eleitoral de Indianópolis/SP, LÉA MARIA BARREIROS DUARTE, na ação penal nº 3-57.2002.6.26.0258, em que Caio Fábio D’Araújo Filho figura como réu, sendo ele assistido, dentre outros advogados, pelo ilústre DR. ERI RODRIGUES VARELA, o qual já atuou também na defesa de Joaquim Roriz, eleito 5 vezes governador do DF, três delas pela vontade popular.
Segundo a sentença da MMª juíza que tive acesso, proferida no dia 18 de Outubro de 2011, Caio foi condenado absurdamente segundo o art. 324. § 1º, juntamente com o art. 327, inciso I e II da Lei n. 4737/65 (Código Eleitoral) e Art. 71 do Código Penal (crime continuado), afastando-se a aplicação do art. 70 (concurso formal) do Código Penal.
Desta forma, o réu foi condenado à pena de 02 anos de detenção por infração ao art. 324 da § 1º da Lei 4.737/65 (Crime de Calúnia na propaganda eleitoral) aumentada de 1/3 em virtude da regra do art. 327 da mesma Lei (Calúnia contra Presidente da República), resultando em 02 anos e 08 meses de detenção, sendo ela dobrada ante a regra do artigo 71 do Código Penal, perfazendo tudo 04 anos de detenção e ao pagamento de 40 dias-multa cada um no valor de dois salários mínimos.
Portante este foi o cálculo feito pela douta magistrada na sua dosimetria penal, a qual mesmo embora gozando do livre convencimento, este cálculo pode ser considerado questionável, posto que ela utilizou como pena base o máximo previsto (2 anos) no dispositivo legal e não o mínimo (6 meses), tal como expressivo número de magistrados brasileiros fazem estribados no princípio da intervenção mínima, dentre outros princípios do Direito que humanizam a aplicação da pena e protegem o apenado da mão pesada e desumana do Leviathan.
Entretanto, peço venia a todos que pensarem o contrário, mas a injustiça dessa sentença não se exaure na sua dosimetria, mas antes pode-se notar o próprio fundamento legal utilizado, a saber o art. 324 da § 1º da Lei 4.737/65, o qual trata de calúnia na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda.
É notório neste dispositivo que o termo “na propaganda ou visando fins de propaganda” é elemento normativo do tipo, sendo que sequer há de se falar em crime se tal calúnia for feita fora do período de propaganda eleitoral, nem tiver esta finalidade.
Sabe-se que o chamado “dossiê cayman” foi feito fora de período de propaganda, nem tão pouco tinha fins de propaganda para o réu, posto que ele jamais foi candidato a cargo eletivo, mesmo diante de diversas ofertas; Portanto não cabe sequer esta tipificação no código eleitoral, quanto menos ainda ilicitude e culpabilidade.
É uma afronta ao princípio da legalidade, pois apenas a lei em sentido formal pode obrigar as pessoas a um dever de abstenção ou de prestação.
Para a justiça eleitoral, que foi quem julgou Caio Fábio nesse processo, trata-se de crime atípico, visto que para efeitos do art. 324, o período de propaganda ou o fim de propaganda eleitoral é requisito indispensável do tipo penal, sendo que ao se tratar de crime, não cabe também ao aplicador do direito fazer analogia em malam partem, isto é, de forma prejudicial ao réu.
Caberia sim julga-lo na justiça comum, segundo o art. 138 do Código Penal, contudo ainda sim seria questionável sob o ponto de vista da constitucionalidade a vedação ao instituto jurídico da “exceção da verdade“, a qual deixa de ser admitida quando o caluniado é o Presidente da república (Art 141, I – CP), sendo este dispositivo legal uma afronta de forma efetiva o princípio da Ampla Defesa.
O crime de calúnia previsto no código penal admite que o autor da acusação prove que a afirmação é verdadeira, porém absurdamente se a imputação é imposta ao Presidente da República, o código penal diz que o autor não pode provar a verdade.
Tal norma apresenta-se como uma alienígena no atual ordenamento jurídico eregido segundo o Estado Democrático de Direito, tranto a figura do Presidente, como se o mesmo não estivesse submetido as mesmas leis das demais pessoas
Assim, aproveito o ensejo para questionar a constitucionalidade do Art 141, I e também para dizer que faz-se necessário a mudança do referido dispositivo legal, sem contudo interferir no foro privilegiado do Presidente, o qual deve continuar sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns e pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade.
De qualquer forma, cabe esclarecer aos leitores deste site que mesmo condenado em primeira instância, cabe recurso em liberdade nas instâncias superiores do poder judiciário, de onde se espera justiça. Sendo que toda pena igual ou inferior a 4 anos é cumprida em regime aberto de acordo com o Art 33, § 2º, alínea C e Art. 36 do CP, podendo ser convertida inclusive em “serviços sociais”.
Até o encerramento deste artigo um recurso já fora protocolado no dia 11/11/11 para a própria magistrada 258ª zona eleitoral, a qual manteve sua decisão no dia 24/11, considerando o requerimento do advogado de Caio impróprio, sob o argumento de que “terminou a função jurisdicional de 1º grau com trânsito em julgado, aguardando-se a prisão do réu”.
Encerro este artigo lamentando, mas também acreditando no poder judiciário, o qual há de corrigir essa injustiça. Esclareço que não escrevo para defender o Caio, pois este já tem quem o defenda no céu e na terra, mas sim como quem atende ao próprio senso de justiça que urge diante do presente caso.
Apresento também abaixo um vídeo do próprio Caio Fábio comentando o fato hoje (30/11) e estou bem certo que mesmo a figueira não florescendo e a videira negando seus frutos, ainda sim o Senhor deve ser o motivo da nossa alegria.
Envio meu abraço fraternal a todos do Caminho, ao Caio e ao Chico, a quem tive o prazer de ter como professor de teologia em Belo Horizonte. Peço perdão aos leitores pela dureza e aridez da linguagem jurídica, mas tratando deste tema não podia ser diferente.
Belo Horizonte, 30 de Novembro de 2011
Fonte: Gospel+