Durante um evento com os principais defensores do liberalismo teológico no Brasil, realizado na Igreja Batista Marapendi, no Rio de Janeiro, o cantor Kleber Lucas fez um desabafo e revelou que um motorista de app o repreendeu, afirmando que ele estava a caminho do inferno.
O evento, chamado Conferência da Fraternidade do Evangelho, contou com a presença de Caio Fábio, bispo Hermes C. Fernandes e também do cantor Luciano Manga, ex-vocalista do Oficina G3.
Após um momento musical, Kleber Lucas desabafou: “Eu estava lembrando aqui desse tempo político, esse vazio, essa escassez intelectual, de sentido, que a gente tem vivido, e eu já ando com o Caio desde os 17 anos – vou fazer 30 [risos]. Não há nada que eu fale, cante, faça e acredite que eu não tenha vivido esses anos todos, desde os 17 anos, que a gente aprendeu essa liberdade mesmo do evangelho”.
O artista, então, se queixou das críticas que recebeu por ter sido flagrado dançando com uma garrafa de vinho: “É impressionante como as coisas assustam as pessoas, não é? As coisas simples da vida, como por exemplo tomar um bom vinho, é uma coisa que… ‘Kleber Lucas está desviado, ele bebe vinho. Comelão, bebedor de vinho e amigo de pecadores. Ele não serve para a gente’”, disse, fazendo referência à passagem de Lucas 7 que Jesus critica os fariseus.
“Eu vejo a Igreja, parte da Igreja, virando as costas para mim e fazendo essa movimentação de cancelamento… eu entro no Uber e a pessoa está me levando […] quieto. Quando desci, abriu a janela e disse ‘você precisa se converter, você está longe de Jesus, você vai para o inferno’. Acelerou o carro e foi embora. Eu tenho vivido essas experiências místicas esses dias”, contou.
Em seu relato, Kleber Lucas revelou que o flagra com a garrafa de bebida era uma celebração em família: “Ao mesmo tempo que eu vivo esse momento, uma rejeição – eles estão assustados porque a vida nos expôs muito, publicamente, por causa da internet – e as pessoas se assustam por coisas que a gente faz a vida toda: estar em casa, ouvindo música, cantando e dançando com meus filhos”.
“Vou falar uma coisa muito íntima. O Hermes está gravando, mas não precisava [risos]. O dia que apareceu um vídeo comigo bebendo, cantando em casa, os crentes ficaram em polvorosa, eu tava comemorando que meu filho tinha fechado um contrato, com 27, 28 anos, ganhou um milhão. Botou a irmã, a minha filha, como sócia dele. Falei ‘gente, que coisa linda, né?’. A gente tava celebrando, meu filho filmando porque ele tava feliz demais. Eu também! Mais ainda! Aí os crentes não gostaram. Eles não gostam de felicidade, não gostam de liberdade, eles acham que você está longe de Deus”, acrescentou, demonstrando sua contrariedade.
‘Humanidade’
Uma das características do liberalismo teológico é a relativização de doutrinas de forma a abrir espaço para o antropocentrismo, ou como alguns teólogos referem, ao “humanismo pagão” como forma de influência e lente interpretativa da Bíblia Sagrada.
Em seu discurso, Kleber Lucas expõe fatos cotidianos como alvo de rejeição pela comunidade evangélica, mas omite que suas críticas a essa mesma comunidade incluem acusações generalistas de racismo, contestações da doutrina cristã e gestos ecumênicos que colocam em dúvida seu compromisso com o cristianismo.
Ao falar de sua relação com Caetano Veloso, ele admitiu atender às expectativas de quem não aceita a pregação bíblica conservadora, fiel à doutrina milenar: “Tem um outro lado que é interessante: você vê as pessoas sedentas de humanidade, de homens de Deus que têm humanidade… tenho estado muito perto do Caetano e a gente troca muita conversa”.
“Ele dorme o dia todo, acorda sempre seis, sete da tarde, toma um café. E das vezes que eu fui para a casa dele, foram muitas, a gente começa a conversar sete e meia, oito horas, e vai… nunca saí de lá antes das seis da manhã, cantando e ele ouvindo, ávido por conversa, e é muito legal perceber como as pessoas estão sedentas e ávidas por gente de Deus de verdade, que tenha uma vida”, disse o cantor.
Segundo Kleber Lucas, sua abordagem foi aceita por outra artista famosa: “As coisas vão se juntando assim. A gente foi na casa da Ivete, fez uma programação junto, e a Ivete falou assim ‘aquele pastor é um pastor que eu quero dentro da minha casa […] Você não sabe como a tua música abençoa a minha casa’. Mas eu me tornei uma maldição para a Igreja. É interessante”.
‘Macumbeiros me abraçam’
Kleber Lucas demonstrou satisfação por ser bem recebido por praticantes de outras religiões, já que sua postura não é de confrontação às suas práticas: “Esses dias faleceu a ex-esposa de um babalorixá, irmão nosso, que o Caio conhece há dezenas de anos, e eu fui no velório da ex-esposa dele, cheguei lá e todo mundo solícito pela minha chegada, para dar um abraço e tudo. E tinha dois crentes. E os crentes ficaram longe! Se afastaram”.
“Os ‘macumbeiros’ todos me abraçando, com guias, com tudo, porque eu sento, como e bebo com eles também, e as crentes ficaram de lado, assim. Aí, o Ivanildo, babalorixá, trouxe as duas e disse ‘esse aqui é o pastor que a gente acredita, vocês estão afastadas dele porque dizem que ele não é mais evangélico, mas para nós ele é pastor’. É muito bom ouvir isso de gente lá da universidade, que eu estou muito ativo lá dentro”, completou.
O cantor se demonstra convicto de suas escolhas e conduta, mas insatisfeito com as críticas, mesmo ciente de que é uma figura pública: “Não dá para ficar bem com gente falando mal de você. O que eu escolho é isso aqui, essa comunhão, esse lugar aqui. É ruim você ouvir gente falando mal de você. Porque sou eu, o Rafa, a Michele, meus filhos, minha mãe, meus sobrinhos, minha sobrinha. Minha vida toda. E eles fazem o que querem, falam o que querem falar”.
A queixa inicial, que envolvia a política como uma espécie de vetor de empobrecimento do ambiente, acabou voltando ao discurso de Kleber Lucas para atacar os evangélicos que desaprovam as propostas dos partidos de esquerda, que ele apoia: “Coloquei uma foto, só para sacanear mesmo, eu, Hermes e o Caio. Aí os crentes [comentaram] ’três hereges, é por isso que… [inaudível] Bolsonaro. Não é por causa da gente, é por causa do deus, do mito, do messias que vocês escolheram. Enfim. É legal chegar nesses ambientes e sentir esse acolhimento, esse lugar que a gente pode pertencer, ser o que a gente sempre foi. O problema é que tem coisas que eu não posso falar porque o Hermes está gravando, mas assim, não poderia deixar de falar que a gente está num lugar de cura”, desabafou, referindo-se ao encontro, que somava aproximadamente 30 participantes.
Ao final, acusou um pastor, sem identifica-lo, de hipocrisia: “Levei minha filha no show do ABBA com umas pessoas da [Igreja Batista] Soul, aí tinha um pastor lá, escondido. Aí o dono da casa do evento falou assim […] ‘eu to com a Marlene Mattos, e ela está com um pastor, e ele está todo envergonhado de vir aqui, porque o que as pessoas vão pensar se virem o pastor com você, não é? Mas ele gostaria muito de te dar um abraço’. Eu fui lá…”.
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