O teólogo Victor Fontana falou sobre equívocos que se tornaram comuns no meio evangélico relacionados à oração, e destacou que essa parte da espiritualidade acaba deturpada por conta desses desvios.
Victor Fontana é teólogo, escritor e professor, e vem tocando um canal no YouTube dedicado exclusivamente a falar sobre teologia e prática devocional. Ao falar sobre orações, reconheceu que a percepção comum é que entre os estudiosos esse diálogo com Deus é negligenciado, mas ponderou que isso não representa a realidade.
“A oração é uma das partes mais importantes da vida do cristão, e muitas vezes, negligenciada na literatura teológica. Muitas vezes a teologia deixa o assunto ‘oração’ de lado. Isso não é regra. As Institutas de Calvino tem um capítulo inteiro dedicado à oração. A Dogmática, do [Emil] Brunner, também trata do tema. Então, não é uma regra, mas existe aquele clichê de que teólogos, às vezes, deixam de se importar com uma vida fervorosa, piedosa, oram pouco”, comentou.
Jejum
Ao elencar os 5 erros mais comuns no meio evangélico, começou pelo mais complexo: “Primeiro equívoco grave a respeito da oração: jejum serve para deixar sua oração mais poderosa. Já pensou dessa maneira?”, questionou.
“Esse não é um problema só da oração, é um problema do jejum, de má compreensão do por quê o jejum existe e para o quê ele serve”, observou, acrescentando que “a essência do que você tem que saber sobre jejum é que faz um convite para o seu corpo participar da espiritualidade”.
“A espiritualidade do texto bíblico não é abstrata, é concreta. As coisas acontecem na vida real. E o jejum é uma maneira de trazer um corpo concreto, na vida real, para um tipo específico de espiritualidade. Da mesma maneira que o alimento faz parte da espiritualidade, a fome também, fazendo com que a dor, a lembrança da dor, faça parte da nossa oração”.
Fórmulas
O segundo erro apontado pelo teólogo Victor Fontana está na ideia de que se a oração repetir algum padrão supostamente bem-sucedido, sua eficácia será maior: “Achar que orar de uma determinada maneira, de uma determinada fórmula, vai dar para você um poder especial. É o que traz o livro Oração de Jabez, por exemplo”, introduziu, citando a obra publicada no ano 2000 por Bruce Wilkinson.
“Qual é o problema desse tipo de percepção? […] A oração que Jesus nos ensina, Ele não nos ensina para que a gente seja mais poderoso. Ele nos ensina para que a gente tenha a intimidade correta com o Pai. É assim que essa oração funciona”, contrapôs.
“Em um certo sentido, a gente vai percebendo que existe um padrão na mente evangélica de uma espécie de vício em poder. Experimentar e conhecer o poder de Deus é fantástico, mas o poder é de Deus, não é meu, não é seu. A oração deixa de ser um momento de intimidade com um Pai adotivo que nos amou profundamente – e que a gente só tem acesso porque Jesus se sacrificou por nós – para se tornar algo que transforma Deus numa ferramenta utilitária para nós, para que a gente seja mais poderoso. Para que a gente obtenha aquilo que a gente quer. É uma relação de perversão”, lamentou o teólogo.
Palavras especiais
É muito comum que os momentos de oração sejam marcados por uma mudança de tom de voz e vocabulário, e ganhe um ar de solenidade. Para Victor Fontana, isso é um equívoco, embora ele próprio não desencoraje a reverência ao falar com Deus:
“É errado achar que no momento da oração você tem que ter um vocabulário diferente daquele que você tem no dia-a-dia. A menos que você seja um enorme boca suja, desrespeitoso, que vive pecando com a boca, a oração vai exprimir o seu jeito de conversar com quem você obteve intimidade por meio de Jesus”, enfatizou.
Em seguida, Fontana aprofundou sua exortação: “Você não precisa trocar o vocabulário, principalmente para se mostrar para os outros. Jesus, ao falar de oração, lembra que a nossa oração precisa acontecer no quarto, fechado, eu e Deus, porque quem faz a oração em público, para obter aplausos de homens, já obteve a sua recompensa”.
Confissão
“O quarto erro que se espalha no ambiente evangélico é que confissão de pecado só se faz a Deus durante a oração”, disse. “Quando Tiago 5:16 diz para a gente confessar os nossos pecados uns aos outros, faça isso com cuidado. Dietrich Bonhoeffer, em Vida em Comunhão, nos alerta para que a gente faça, sim, confissão de pecado, mas ela deve ser feita a irmãos que nós temos a certeza de que são irmãos de fato, não faça a qualquer um porque a sua intimidade pode ser exposta por um fofoqueiro”.
Fontana lamentou que “a cultura evangélica baniu a confissão da espiritualidade” como forma de se opor ao catolicismo, e em sua leitura do que as Escrituras orientam, aponta isso como um equivoco:
“A confissão faz parte da espiritualidade de uma oração verdadeira. Talvez, por um medo de repetir o que é um confessionário no ambiente católico e a função do padre como vigário, como uma espécie de intermediário entre o fiel e Deus – uma interpretação rasa do que o catolicismo propõe. Nesse anseio de se diferenciar do catolicismo, a gente pegou e jogou a confissão como prática espiritual para longe”.
Oração poderosa
Por fim, o teólogo reprovou a percepção de que alguém com cargo eclesiástico, ou fama no meio evangélico, tenha uma oração mais eficaz: “O quinto equívoco é muito frequente. É a ideia de que a oração do pastor, do missionário, do profeta, ou da líder do círculo de oração é uma oração mais poderosa”.
“De novo, entra essa questão do vício em poder. Eu insisto: a oração mais poderosa do mundo já foi feita por você. João 17, Jesus ora pelos seus discípulos e ora por aqueles que seriam alcançados pelas mensagens dos discípulos, ou seja, eu e você. O próprio Jesus orou por mim e por você. Você não precisa de uma oração poderosa de ninguém, porque Jesus orou por mim e por você. Esse é o erro mais perigoso e mais frequente, porque a gente fica caçando orações poderosas dos outros, quando na verdade Jesus já orou por você”, finalizou.