As discussões que envolvem as reformas da Previdência e Tributária causaram um verdadeiro terremoto no governo Bolsonaro após declarações do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, sobre a cobrança de impostos sobre igrejas, taxando os dízimos e ofertas doados pelos fiéis. O estrago foi tamanho que o próprio presidente veio a público para negar que essa mudança vá acontecer.
Cintra, 74 anos, é um dos principais articuladores da Reforma Tributária no país, visando a simplificação e redução dos impostos. No entanto, na última segunda-feira, 29 de abril, ele fez uma declaração infeliz sobre o que é arrecadado pelas igrejas e demais religiões através de doações dos fiéis.
“Isso vai ser polêmico. A base da CP (contribuição previdenciária) é universal, todo o mundo vai pagar esse imposto, igreja, a economia informal, até o contrabando”, declarou Cintra, ao explicar sua proposta para mudança do atual sistema que financia parte das despesas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Ele propõe que o atual modelo de contribuição previdenciária, que incide sobre a folha de pagamentos e encarece o custo de um trabalhador registrado em carteira, seja substituído por um tributo que vai incidir sobre todas as transações financeiras, bancárias ou não, com alíquota de 0,9% e rateado entre as duas pontas da operação: quem paga e quem recebe, segundo informações do jornal Folha de S. Paulo.
Com essa proposta, esse novo tributo aliviaria a folha salarial, permitindo que empresários contratem mais funcionários, pois o custo sobre os salários seria reduzido, no país todo, em R$ 350 bilhões. “Vai ser pecado tributar salário no Brasil”, disse Cintra, contando com a aprovação de sua proposta. “O Brasil é um dos países que mais tributam salário. O empregado leva para casa metade do que ele custa para a empresa. Isso desestimula a geração de empregos”.
Reação
A imunidade tributária que igrejas e demais templos religiosos têm é garantida pela Constituição Federal. Os valores arrecadados com dízimos e ofertas são doações feitas pelos fiéis a partir do que sobra de salários e dividendos, já tributados em sua origem.
De tempos em tempos, surgem propostas como essa, que pretendem tributar igrejas. A reação à declaração de Marcos Cintra foi forte e aguda, com um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro colocando-se frontalmente contra a proposta.
“Um tremendo palhaço”, disse o pastor Silas Malafaia sobre Marcos Cintra. “Se ele quer aparecer, mando uma jaca e uma melancia para pendurar no pescoço”, reiterou.
“Ele sabe que isso é impossível. Só faz porque é perverso, maldoso. Uma tremenda de uma safadeza de um boçal. Nem a esquerda na época de Lula e Dilma se meteu numa porcaria dessas”, disparou o pastor.
Malafaia observou, em entrevista à revista Época, que uma proposta como essa não encontra apoio popular: “Não é isenção ou uma leizinha que alguém propõe […] Ele não tem essa competência, porque tem de mudar a constituição. Isso cabe aos deputados […] O [presidente da Câmara] Rodrigo Maia mesmo falou que isso não passa nunca. Vai pressionar o quê? Convence os deputados evangélicos e católicos. Imagina que os partidos políticos vão votar contra eles mesmos? Isso é piada”, declarou Malafaia.
Em seguida, o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) desafiou Cintra: “Manda ele arrumar 308 votos, já que ele é bom”, ironizou, mencionando o número de votos necessários na Câmara dos Deputados para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Bolsonaro
O presidente ficou surpreso ao saber das declarações de Marcos Cintra, e afirmou que não havia autorizado qualquer proposta de mudança na isenção tributária sobre templos religiosos: “No nosso governo nenhum novo imposto será criado, em especial contra as igrejas”, afirmou Bolsonaro.
“[A igreja,] além de ter um excelente trabalho social prestado a toda comunidade — reclamam eles com razão, no meu entendimento —, seria uma bitributação. Então, bem claro, não haverá um novo imposto para as igrejas”, emendou o presidente, em um vídeo publicado no Twitter.
– Nenhum novo imposto será criado.
– Jair Bolsonaro, PR. pic.twitter.com/WCi1ohQl7b— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 29 de abril de 2019
Bancada evangélica
Deputados evangélicos se manifestaram e repudiaram a ideia de cobrar impostos sobre as igrejas e demais religiões: “As igrejas evangélicas já dão à sociedade muito mais do que recebem. Além do trabalho espiritual, há um trabalho social muito forte. A decisão da bancada é não ceder nenhum milímetro na luta contra qualquer projeto que dificulte o trabalho das igrejas evangélicas no Brasil”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (PRB-AM).
Lincoln Portela (PR-MG) foi na mesma linha e disse que “não vai acontecer” nenhuma mudança nesse ponto: “Ele [Marcos Cintra] se esquece que 90% da Câmara e do Senado é constituído por pessoas de diversas religiões. E o presidente Jair Bolsonaro deixou bem claro que não haverá tributação das religiões“, pontuou, em declaração à Folha.
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) usou redes sociais criticar a ideia de Cintra. “Alô Marcos Cintra do Ministério da Economia! Acho que você faltou à aula, mas vou te dar uma dica pra você recuperar a matéria. No direito tributário, existem três modalidades de arrecadação: imposto, contribuição de melhorias e taxas. A igreja é imune aos impostos”, escreveu o parlamentar.
A fala de Marcos Cintra não repercutiu negativamente apenas entre as lideranças evangélicas: o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), criticou o secretário da Receita Federal, observando que sua declaração causou burburinho num momento que o governo precisa juntar forças: “Imprópria e inoportuna […] Trouxe a pressão da bancada evangélica quando nós precisamos agregar forças para aprovar a Previdência”, avaliou.