As próximas eleições serão marcadas por mais uma tentativa da esquerda política brasileira em atrair os evangélicos defensores do conservadorismo, para sua agenda progressista. O primeiro movimento nesse sentido foi tomado pelo PSOL, que pretende lançar um pastor como candidato a deputado estadual no Rio de Janeiro.
O nome em questão é o de Henrique Vieira, 30 anos, ex-vereador em Niterói (RJ) e pastor da Igreja Batista do Caminho. Ele se tornou manchete nos últimos anos por manifestações de oposição ao modelo teológico tradicional, usando o estudo da Palavra como combustível para impulsionar um ativismo social que supõe uma predominância racista no Brasil.
O jornal Folha de S. Paulo produziu uma matéria sobre os planos do controverso PSOL – que abriga figuras como Jean Wyllys e Marcelo Freixo – para lançar a candidatura de Vieira a deputado estadual no Rio de Janeiro.
Para a jornalista Anna Virginia Balloussier, a candidatura do pastor “robusteceria planos da sigla em se aproximar de eleitorados tidos como inclinados a cair no colo da direita” por conta dos princípios religiosos, pessoas que a esquerda sempre viu de forma preconceituosa – a gente incômoda descrita na Veja – e com quem agora quer abrir “um diálogo progressista”.
Bolha
O próprio Marcelo Freixo, candidato a prefeito derrotado em 2016 pelo bispo Marcelo Crivella, admite que a esquerda na política desprezava os evangélicos: “Não acho que evangélicos ou policiais têm que ser tratados como reacionários, porque esse rótulo não diz respeito à cabeça da maioria deles. Muitas vezes a esquerda constrói essas bolhas, que são muito aconchegantes, porque você fica falando entre os iguais. A gente está num momento em que tem que buscar o comum, mais do que o idêntico”, afirmou Freixo.
Como forma de contrapor os conceitos conservadores adotados pela ampla maioria dos evangélicos, o pastor Henrique Vieira diz que essa postura é resultado da presença de líderes religiosos na TV, mas evita citar nomes: “Existe um referencial evangélico televisivo e político que é muito extremista. Costumo dizer que são púlpitos cheios de sangue, na medida em que reforçam discursos machistas, homofóbicos e racistas que estimulam violência contra mulheres, LGBTQ e irmãos e irmãs de matriz afrobrasileira”, argumentou.
As figuras descritas por Vieira seriam “amoladores de faca”, por pregarem, por exemplo, que a homossexualidade é um pecado e que a defesa desse princípio contra o ativismo LGBT deve ser mantida, sob pena de as igrejas terminarem, em algum momento, obrigadas a celebrarem a união de pessoas do mesmo sexo em seus templos.
Aborto
Em sua participação no programa Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo, Vieira afirmou que a defesa do aborto é uma bandeira abraçada por ele e seus seguidores, e que evangélicos e umbandistas são irmãos e precisam se unir contra o racismo, que “também influenciou as próprias imagens cristãs”.
“Tem crianças negras que não podem representar Jesus em uma peça de teatro, por que a ideia hegemônica é que Jesus é branco e a ideia de um Jesus negro, que faz mais sentido historicamente, incomoda, causa um certo estranhamento”, declarou Henrique Vieira na atração da emissora da família Marinho.
“Historicamente, teologicamente, Jesus é negro, e afirmar que Jesus é negro quer dizer que Jesus assume esse lugar, essa luta, essa resistência dos oprimidos, contra os privilégios e as injustiças”, defende o pastor em um polêmico vídeo que circula nas redes sociais.
Outro ponto controverso na postura de Vieira é sua participação no movimento #342, ressuscitado recentemente por Paula Lavigne e Caetano Veloso para defender exposições de arte como a do Queermuseu – que fazia apologia à pedofilia e ideologia de gênero, além de vilipendiar símbolos religiosos – e a interação de crianças com um artista nu.
Segundo a jornalista Balloussier, “a linha teológica do pastor pode se alocar mais à esquerda do que a maioria evangélica”, já que a maioria dos fiéis dessa tradição cristã acredita que ” a mulher deve ser presa por abortar”, segundo pesquisa do Instituto Datafolha em dezembro passado.
Na matéria, a jornalista pontua que o meio evangélico é “heterogêneo” não apenas em questões teológicas e doutrinárias, e usa um caso de exceção em relação ao aborto para reforçar a ideia de que há espaço para a ideologia de esquerda, citando que Marcelo Crivella é opositor da legalização da interrupção da gravidez, enquanto seu tio, bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, “já se posicionou mais de uma vez a favor da prática”.
“A fé que eu professo me impede de exaltar a hipocrisia. O aborto não é a causa do problema, é o efeito. O problema começa antes, na falta de informação, principalmente às camadas financeiramente menos favorecidas”, escreveu Vieira em artigo para seu blog, há oito anos.
Conservadorismo
Vieira, na entrevista à Folha, admite que vai precisar se esforçar para vencer o conservadorismo e conquistar os evangélicos: “Se você for nas minhas redes sociais, vai ver que a minha igreja é chamada de Igreja Batista do Descaminho ou do Caminho do Inferno, gente falando que era melhor eu morrer, que não sou pastor de verdade, que sou lobo, falso, imoral, herege”.
As eleições no próximo mês de outubro deverão expor as profundezas da divisão social que se apresentou em números há quatro anos, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) se reelegeu com pouco mais de 51% dos votos, com uma margem de pouco mais de 3,4 milhões de votos. À época, analistas políticos já apontavam o grande racha entre os eleitores que se opunham ao projeto político-ideológico da esquerda representado pelo PT, e os que reelegeram Dilma.
Neste ano, a disputa à presidência da República deverá mostrar uma fatia conservadora mais aguerrida, que deverá ter em Jair Bolsonaro (PSL-RJ) a representação de seus ideais, e uma série de candidatos que se dividirão entre o chamado “centro”, representado por nomes como Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), e a esquerda assumida, com candidatos do PT e PSOL.