Analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que o debate centrado em questões como aborto e religião favorece o candidato tucano à Presidência da República, José Serra, enquanto que a adoção de uma postura mais agressiva faz com que a petista Dilma Rousseff perca terreno.
As primeiras pesquisas para o segundo turno, em 31 de outubro, mostram uma redução da vantagem de Rousseff sobre Serra.
“No fundo, a sociedade brasileira é muito conservadora”, diz o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Caldas. “Quando Dilma assume uma postura mais agressiva, desperta um receio que havia em relação ao PT dos anos 80, que era um partido mais polêmico.”
Na opinião de Caldas, a petista ditou o ritmo do primeiro turno – e teve vantagem – ao centrar o debate no confronto de realizações entre o governo federal (do qual ela foi ministra) e o de São Paulo (que teve Serra como governador).
“Isso causava um prejuízo muito grande ao Serra, porque é difícil mostrar coisas feitas em São Paulo a pessoas do Nordeste”, afirma o professor da UnB.
Já no segundo turno, segundo Caldas, o candidato do PSDB ganhou espaço ao determinar o ritmo do debate, colocando o foco sobre valores pessoais, moral e religiosidade.
“Serra foi muito feliz quando percebeu uma oportunidade nisso, fazendo com que ela (Dilma) mostrasse os seus valores”, afirma. “As pessoas estão assustadas porque, no fundo, elas não conhecem a Dilma.”
Acirramento da disputa
Para o cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Geraldo Tadeu Monteiro, o debate em torno da moral e da religião deve afetar uma parcela pequena do eleitorado. No entanto, ele acredita que, com o acirramento da disputa e a redução na diferença entre os candidatos, o voto católico ou evangélico pode acabar sendo decisivo.
“Em um contexto de disputa acirrada, ter 5% ou 6% de católicos mais fervorosos mudando de opinião, ou de 12% a 15% de evangélicos trocando de voto, pode virar a eleição”, diz Monteiro, que também vê Serra como beneficiário do debate em torno de valores morais.
Para ele, o que pode ter ainda mais influência é a tentativa de Serra impor a Dilma uma imagem de “duas caras”, ou alguém que muda de opinião. “Isto afeta um valor fundamental, que é o da confiança, causando no eleitor a impressão de que a pessoa, uma vez eleita, vai fazer o contrário do que disse antes.”
O professor da Uerj também vê pouca chance de a candidata petista ganhar votos com a adoção de uma postura mais ofensiva. Segundo ele, isto tem mais a ver com a necessidade de Dilma mobilizar a militância e lideranças políticas e menos com uma estratégia para conquistar o eleitor médio.
Mudança de imagem
O consultor político Carlos Manhanelli acredita que Dilma errou ao aparentemente trocar, do primeiro para o segundo turno, a imagem de “mãe” dos “fracos e oprimidos” – que daria continuidade às políticas sociais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – por um mais agressiva, de “heroína”, “executiva” e “guerreira”.
“Esta troca sempre é prejudicial, porque você forma uma imagem no inconsciente coletivo do eleitor e, quando isto é modificado, ele fica em dúvida sobre qual reação o candidato terá”, diz Manhanelli.
O consultor afirma que Serra também errou ao tentar, durante toda a campanha, vender uma imagem de “pai dos pobres” (em continuidade a Lula), em vez de adotar uma figura “heróica”, de quem tenta resolver problemas deixados pelo antecessor.
No entanto, segundo Manhanelli, o tucano leva vantagem por ter mantido a aposta em uma única imagem durante a disputa, mesmo não sendo a ideal. “Serra, embora esteja com a imagem errada, ainda preserva uma tentativa de ser um ‘pai’, ao menos consolida uma imagem.”
Manhanelli vê como natural, embora lamente, a mudança de foco entre os dois turnos. “No primeiro, se esgotam todos os argumentos de propostas de governo. Quando cai no segundo, vai para embate de vida, de história de cada um, de postura religiosa, moral, currículo. O segundo turno vem vazio.”
O consultor também acha que, em termos de debate sobre religião e valores, Serra tende a ganhar mais votos que Dilma, mas ele não acredita que as últimas pesquisas reflitam esta questão.
Para ele, a ascensão do tucano se deve mais à adesão dos votos dados a Marina Silva (PV) no primeiro turno, independentemente da questão religiosa.
Mesmo vendo vantagem de Serra no debate religioso, Ricardo Caldas prevê uma disputa equilibrada até o fim entre os dois candidatos.
“A eleição não está ganha para nenhum lado”, afirma o professor da UnB. BBC Brasil – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
Fonte: Estadão / Gospel+