A empresa que desconta dízimo do salário do funcionário deve devolver o valor retirado com acréscimo de juros e correção monetária. Isso porque o trabalho e a religião não se misturam. O entendimento é da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região no caso em que a Instituição Paulista Adventista de Ensino e Assistência Social descontava 10% do salário bruto de uma funcionária para destinar ao dízimo.
A ex-funcionária foi à Justiça trabalhista. Pediu a restituição de R$ 3.618,24. A Instituição alegou que, quando a reclamante foi contratada, ela pertencia a religião e assinou um termo autorizando o desconto em folha. Mas quatro anos depois, ela pediu o cancelamento do desconto e após um período foi dispensada sem justa causa.
O desembargador relator do caso, Rovirso Aparecido Boldo, afirmou que o artigo 462, da CLT, veta a empresa de efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de Lei ou de contrato coletivo.
Por isso, a Justiça trabalhista determinou a devolução do valor, com acréscimo de juros de 1% a cada mês descontado, o que totalizou R$ 72,36. Se caso a dívida não for executada, cabe a penhora de bens conforme prevê o artigo 883, da Consolidação das Leis do Trabalho.
O relator também se baseou na Súmula n º 381, do Tribunal Superior do Trabalho, que determina o pagamento de salários até o 5º dia útil do mês. Ultrapassada a data, deve ser aplicado o índice da correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços, a partir do dia 1º.
O valor montante não sofrerá incidência do Imposto de Renda, por ter sido recolhido na época própria e também não está sujeito às contribuições previdenciárias.
A ex-funcionária alegou, ainda, que a Instituição lhe devia horas extras, pois todos os dias chegava antes do horário de trabalho assistir aos cultos. Mas a turma julgadora afastou o pedido.
Leia a decisão:
RECURSO ORDINÁRIO EM RITO SUMARÍSSIMO
RECORRENTE: ELIANA MELO DUARTE
RECORRIDO : INSTITUIÇÃO PAULISTA ADVENTISTA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL
ORIGEM : 1ª VARA DO TRABALHO DE GUARULHOS
EMENTA: DÍZIMO. DESCONTO EM FOLHA. ILÍCITO. O contrato de trabalho e a convicção religiosa não se misturam. Enquanto o primeiro se sujeita ao mandamento legal, a segunda rege-se pela fé. O desconto sob a rubrica “dízimo” não se encontra autorizado pelo art. 462 da CLT. A devolução é medida que se impõe.
Dispensado o relatório nos termos do art. 852-I, da CLT.
Voto
Conheço do Recurso Ordinário, eis que presentes os pressupostos legais.
Dízimo
O contrato de trabalho e a convicção religiosa não se misturam. Enquanto o primeiro se sujeita ao mandamento legal, a segunda rege-se pela fé.
Hodiernamente, tem-se constatado que, nos casos de entidades religiosas e beneficentes, para a admissão de empregados a preferência é dada àqueles que comungam do mesmo credo.
Para efeitos exclusivos da relação de emprego, as instituições de beneficência se equiparam as empregadoras de atividade econômica (art. 2º, § 1º, da CLT). Os descontos permitidos estão previstos no art. 462 do mesmo Estatuto Obreiro.
A jurisprudência tem entendido como lícitos outros descontos (adesão a planos de assistência odontológica, de médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa), os quais, no mundo material, geram contraprestação ao empregado e à sua família (Súmula nº 342 do C. TST).
No caso vertente, à época dos fatos, a reclamante tinha a mesma fé religiosa dos mantenedores da ré. Por autorização escrita e de próprio punho, a autora sofria deduções nos seus salários sob a rubrica “dízimo” (10% da remuneração bruta). Todavia, não se encontram permitidos por lei.
Ademais, a “Carta de Solicitação” da reclamante autorizando o desconto em folha do dízimo está datada de 18.01.2002, sendo certo que sua admissão ocorreu aos 21.01.2002 (fl. 9 e doc. 07 do vol. de docs.). Repare-se que o pedido foi formalizado antes da contratação, o qual gera presunção de que havia conditio sine qua non para a admissão de “irmã de fé” da mesma congregação religiosa.
Em 23.08.2006, a reclamante solicitou o cancelamento do desconto em questão, não mais sofrendo dedução nos seus salários a partir daquele mês (docs. 99, 142 e 143 do vol. de docs.). Independentemente da correlação, terminado o ano letivo, foi ela dispensada sem justa causa no dia 19.12.2006 (fl. 9).
De qualquer forma, ilícitos os descontos, devendo ser restituídos à reclamante. À ré resta, querendo, o direito de regresso em face da instituição religiosa.
Dou provimento.
Horas extras
Extrai-se da causa de pedir que “A Autora foi contratada para trabalhar das 7:30 até às 12:45, sem intervalo para refeições e descanso, sendo que, por conta de culto religioso, tinha de chegar na instituição até as 7:00 para assistir ao evento antes do início do labor e, nunca lhe foi pago nada a título de horas extras por este período” (fl. 4).
Ao depor em Juízo, a reclamante confirmou a tese da defesa, no sentido de que “seu horário de trabalho era das 12h45 às 17h15” (fl. 14).
Entretanto, a petição inicial não foi previamente retificada ou emendada.
Resta, pois, prejudicada a apreciação da tese recursal, onde a autora insiste pelo deferimento das horas extras “conforme requeridas”.
Do exposto, conheço do Recurso Ordinário por tempestivo e regular, e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO PARCIAL para, julgando procedente em parte a reclamação, condenar a reclamada a restituir à reclamante o valor total de R$ 3.618,24, descontado indevidamente a título de dízimo.
Juros de 1% ao mês, pro rata die, nos termos do art. 883 da CLT c/c parágrafo único, do art. 39 da Lei nº 8.177/91.
Correção monetária, na forma da Súmula nº 381 do C. TST.
O montante da condenação não sofrerá incidência do Imposto de Renda, porquanto o total da remuneração (descontada a cota social) já foi objeto de tributação nas épocas próprias; também não haverá sujeição às contribuições previdenciárias, eis que a parcela devida à Previdência Social foi descontada mês-a-mês dos salários da reclamante, sob pena de configurar bis in idem..
Custas a cargo da reclamada, no importe de R$ 72,36, calculadas sobre o valor do pedido, de R$ 3.618,24.
ROVIRSO A. BOLDO
Relator
Fonte: Consultor Jurídico