Um movimento evangélico de esquerda que reúne militantes cristãos divulgou uma nota de orientação ao público que segue suas publicações contra o chamado “voto de cajado”, mas terminou por incentivar o voto em candidatos que estejam alinhados com pautas recorrentes dos partidos de esquerda.
A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, grupo que enviou militantes à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR) para protestar contra a prisão do ex-presidente Lula (PT), usou sua página no Facebook para criticar a forma como uma parcela dos pastores agem em relação à capacidade de influência sobre o voto dos fiéis.
“A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito repudia o voto de cajado: pastores não devem usar o púlpito para orientar o voto dos seus membros. Pastores não devem, de forma alguma, fazer campanha eleitoral durante a celebração dos cultos – corrompendo a mensagem central do Evangelho, de anunciar o Cristo que se fez justiça para a redenção da humanidade”, diz o texto do grupo político.
Repetindo a estratégia dos movimentos de esquerda, o grupo evangélico aplicou rótulos pejorativos a quem se posiciona ideologicamente em oposição às suas preferências: “Pastores não devem estimular o fascismo, a intolerância, o ódio e nenhuma forma de opressão”, pontua a nota.
Embora existam pelo menos quatro candidatos de esquerda com maior expressão concorrendo às eleições presidenciais, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito se diz na luta pelo “restabelecimento da democracia brasileira”.
A orientação sutil ao voto, sem menção a nomes, surge na sequência: “Que o processo eleitoral nos garanta parlamentares e governantes empenhados na construção de um país mais justo e igual, com oportunidades. Ao escolher seus candidatos considere se ele ou ela está comprometido coma recuperação dos direitos dos trabalhadores, com a educação pública e gratuita, com a manutenção e recuperação do Sistema Único de Saúde, com a distribuição de terra e moradia, com a defesa da soberania nacional, com a defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente, com investimento em saúde, educação e infraestrutura, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a igualdade de gênero, com o combate à desigualdade, com a reforma tributária, com a democratização dos meios de comunicação, com a manutenção do sistema previdenciário, com o combate às violências, com a desmilitarização da polícia”, conclui o documento.
Essa manifestação da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que tem o pastor Ariovaldo Ramos como uma de suas principais lideranças, soa como uma resposta ao grupo interdenominacional de líderes evangélicos que sugeriu aos fiéis o voto a partir de princípios conservadores, como a defesa da vida em todas as circunstâncias, desde a concepção, e o combate à corrupção.
Evangélicos de esquerda
O movimento pró-esquerda no meio evangélico não se vale de eufemismos na afirmação de suas convicções. O próprio pastor Ariovaldo Ramos, que despontou como uma das principais lideranças desse grupo de fiéis, deu diversas declarações contra a visão oposta da política.
Definido pela grande mídia como “pastor lulista”, Ramos se assumiu “progressista” e integrante de uma ala que quer formar uma “bancada evangélica do bem”, como define os militantes alinhados à sua visão política.
Essa visão política é compartilhada por outra formadora de opinião do movimento evangélico de esquerda: a mestre em Ciências da Religião Valéria Vilhena, que concedeu entrevista ao Uol em janeiro do ano passado defendendo pautas como ideologia de gênero, direito ao aborto e casamento gay, além das óbvias críticas à bancada evangélica.
Na ocasião, Valeria Vilhena reforçou a tese de que as diferenças de gênero na maneira como meninos e meninas são educados produzem, mais tarde, um estuprador em potencial: “Se a gente pensar na cultura do estupro, tenho doutrinas na igreja que são muito mais rígidas com as meninas do que com os meninos. Nós, mulheres, é que provocamos com as nossas roupas, com a nossa maquiagem, com o nosso brinco”.
A partir dessa narrativa, apresentou sua visão partidária do movimento feminista contemporâneo: “A maioria dos evangélicos não têm mulheres à frente dos trabalhos […] Elas são bem-vindas para serem mulheres de oração, de intercessão, para arrumar a igreja, para levar toalhinha, para cuidar da limpeza da igreja e para fazer visitas. Elas estão nos espaços de serviços, não de liderança da igreja”.
Evangélica, mas desigrejada, Vilhena também se posiciona com uma visão limitadora da consciência religiosa no exercício da cidadania: “Dou aula para professores da rede pública na formação continuada e costumo falar: ‘se na sua religião é pecado se dar ao amor, ao afeto homo, não se dê esse prazer; se na sua religião é pecado o aborto, não cometa aborto’. ‘Na sua religião’ é seu foro íntimo, é seu sistema de fé, fé não pode ser imposta a toda uma sociedade”.
O mesmo discurso é repetido por Ariovaldo Ramos: “O papel da igreja é ser a consciência do Estado, não almejar poder. Queremos uma bancada do bem, porque a do mal, já estamos cansados dela”, acrescentou, numa frase que poderia facilmente ser aplicada ao movimento político de esquerda, responsável pela crise econômica que resultou em milhões de desempregados e por escândalos de corrupção em escala inédita.