Na última sexta feira (17) a apresentadora Fátima Bernardes, através do seu programa na Rede Globo, defendeu a ideologia de gênero para crianças, ao falar sobre casos de crianças transgêneras. Tratando de forma parcial um assunto que não é consenso na comunidade científica entre Psiquiatras e Psicólogos, sendo motivo de intenso debate acadêmico, a Rede Globo abordou de forma rasa um tema que é motivo de sofrimento para diversas pessoas.
Criança transgênero e a ideologia de gênero, um breve contexto
Basicamente, criança transgênero possui uma percepção também influenciada pela ideologia de gênero aplicada a infância, com crianças a partir dos 02 anos de idade ou menos. Essa ideologia, por sua vez, nascida a partir de uma visão politizada das relações afetivas/sociais entre o homem e a mulher, por atribuir ao “gênero” a função de poder econômico e de classe, afirma que a identidade de gênero, ou seja; a maneira como alguém se percebe/sente sexualmente, não tem, necessariamente, relação com o sexo de nascimento.
A ideologia de gênero defendida por Fátima Bernardes, portanto, despreza a realidade do sexo biológico e sua função no desenvolvimento do corpo e da psiquê humana, para afirmar que a identidade de gênero construída socialmente é mais importante do que qualquer outra determinação biológica do sexo, como se o simples fato de uma pessoa nascer com determinado sexo já não fosse um indicativo natural do gênero a ser desenvolvido.
Desse modo, fica evidente que “identidade de gênero“, então, não está necessariamente vinculada a duas condições de sexo, “macho” ou “fêmea”. É por essa razão que existem os chamados “gêneros neutros”.
Também já existe em algumas partes do mundo movimentos que defendem a identidade de gênero entre espécies. Isto é; pessoas que se “percebem” como animais, como tigres, cavalos, gatos, etc. Isso, porque, por não estar vinculada obrigatoriamente a determinação biológica do corpo, a ideologia de gênero enfatiza a maneira como o indivíduo “se percebe”, desconsiderando, portanto, que sua percepção e sentimentos podem ser resultados de algum transtorno associado.
Ciência e ideologia de gênero
Querendo fazer parecer um consenso a existência de crianças transgêneras, Fátima Bernardes sugeriu o que seria uma “Campanha de aceitação e respeito”, com base na afirmação do psiquiatra Alexandre Saadeh, de que “não tem nada de errado” com uma criança que não possui maturidade cognitiva suficiente acreditar não pertencer ao corpo em que nasceu, precisando ou não de uma mudança de sexo, a exemplo do que já acontece fora do Brasil.
A sugestão dada por Fátima Bernardes sobre crianças transgêneras, todavia, é polêmica. Primeiramente porque a ideologia de gênero é um conceito desenvolvido pelo discurso. Isto é; não se trata de ciência objetiva, onde dados baseados em fatos permitem a criação de um consenso em torno do tema. Daí a razão de ser chamada “ideologia”.
Por se tratar, justamente, de uma ideológica de caráter filosófico, antropológico, social, político, ético, dos quais a Psicologia, Psicanálise e Psiquiatria também fazem uso para compreensão do ser humano, é motivo de amplo debate e opiniões completamente divergentes, apesar de não ser explícito nos veículos de comunicação.
A Psicóloga clínica Ângela Louzada Santos, por exemplo, mestre em Psicologia e educação, em um artigo chamado “Homossexualismo e Psicanálise” publicado aqui, afirma que para Melanie Klein “a homossexualidade se desenvolve como uma defesa contra a angústia paranoide”, destacando essa identidade de gênero como uma “função defensiva”.
Ainda segundo Louzada, citando a obra “Psicanálise da criança” escrita por Klein, ela diz que para a autora as “perturbações do desenvolvimento sexual se seguem a uma fantasia infantil”, que tem origem na relação com os pais, de forma que se não houver uma diferenciação entre tais figuras (função paterna e materna), podem ocorrer “…perturbações na criança: primeiro nas relações primitivas que esta estabelece com o seio da mãe, e posteriormente com o seu objeto de desejo”.
Orientação sexual egodistônica e a ideologia de gênero
Segundo a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, a CID 10, referências F66 e F66.1, pode ser considerado um transtorno de maturação sexual quando um indivíduo está “…incerto quanto a sua identidade sexual ou sua orientação sexual, e seu sofrimento comporta ansiedade ou depressão”, ou quando há certeza de tal orientação, mas “…o sujeito desejaria que isto ocorresse de outra forma devido a transtornos psicológicos ou de comportamento associados”, podendo buscar tratamento para alteração.
Tais definições não são suficientes por si mesmas para definir o que seria ou não um transtorno. Todavia, sua definição mostra que existe a possibilidade do indivíduo sofrer em decorrência de incertezas quanto a identidade sexual ou transtornos associados.
Agora, note que a atribuição de “incerteza” e “desejo” está vinculada a indivíduos com algum grau de maturação cognitiva, como adolescentes e adultos, que podem manifestar de forma apropriada esse sofrimento. O que diremos, então, de crianças a partir de 02 anos, sem qualquer discernimento maduro o bastante para expressar com autenticidade sua sexualidade, especialmente sobre mudança de sexo?
Ao que parece, portanto, salvo a determinação biológica do sexo indicando espontaneamente o seu desenvolvimento, a identidade de gênero de uma criança não é fruto do seu próprio desejo, senão dos múltiplos fatores associados à sua formação, especialmente dos referenciais paterno e materno. Qualquer condição além disso deve ser compreendida com seriedade, máximo de cautela, respeito e conhecimento científico.