A exigência do artigo 44 do Código Civil para que igrejas funcionem é a formalização, através de um CNPJ, como entidade de direito privado. Além desse documento, há também exigências de alvarás de funcionamento e outros detalhes burocráticos. E são essas exigências legais que deixam “quase 100% das igrejas” em situação irregular no Brasil, segundo reportagem da Folha.
O espectro evangélico no Brasil é tão pulverizado que nenhum órgão governamental tem dados confiáveis a respeito de quantas igrejas há no país. Certamente, milhares, e muitas delas sem CNPJ, o que as tornam irrastreáveis.
“No segmento, é comum escutar que mais de 95% das igrejas sejam irregulares —número apontado em 2015 pelo Conselho de Pastores de São Paulo. E ilegais não só pela ausência de CNPJ, mas também de obrigatoriedades como alvará de licença emitido pelas prefeituras (sem ele, os templos perdem direitos como a isenção do IPTU) e um laudo dos bombeiros (para averiguar medidas de segurança como a presença de extintores)”, contextualizou a jornalista Anna Virginia Balloussier.
A pastora Mônica Santos, líder da igreja Apostólica Templo do Espírito Santo, corrobora essa impressão: “A realidade é assim: o pastor quer abrir igreja, aluga um salão, põe um monte de cadeira e acha que é isso. Eles sabem pregar a palavra de Deus, ponto. Não sabem como administrar, montar tesouraria”, lamentou.
Em sua denominação, a pastora Mônica decidiu que deixar todas as questões legais em ordem era prioridade. E assim, decidiu montar uma contabilidade especializada, e hoje conta com aproximadamente mil clientes, incluindo sua própria igreja, que gasta R$ 298,00 com a mensalidade dos serviços contábeis.
O pastor Paulo Cézar Nogueira, da igreja Prostrado aos teus Pés, é outro que se especializou no serviço, e afirma que nem sempre o status irregular se deve à ignorância do líder religioso. “Eles vão lá e dizem: ‘Se a prefeitura fechou sua igreja, foi o diabo que agiu’. Não olham para a questão legal. Mas eles não só não têm noção, muitas vezes não se importam. Se der algum problema, ligam para o vereador tal e resolvem, principalmente em período eleitoral”, criticou.
Mas às vezes a ilegalidade custa caro. Em 2017, a demolição de uma Assembleia de Deus próxima do Palácio do Jaburu gerou um arranco-rabo entre a bancada evangélica no Congresso e o governador Rodrigo Rollemberg. O deputado-pastor Marco Feliciano acusou Rollemberg de mandar derrubar o templo “de forma criminosa, sem mandado judicial”, numa “atitude digna das piores ditaduras”.
Bruna Pinheiro, presidente da Agência de Fiscalização do Distrito Federal e evangélica, comentou o caso e afirmou que os pastores “têm que ser os primeiros as respeitar as leis”.
Questões legais são mais importantes do que se imagina, alertou a pastor Mônica Santos. Há casos em que fiéis fazem serviço voluntário e o pastor se responsabiliza apenas pela compra de material, mas posteriormente isso se transforma em dor de cabeça: “Aí ele tem desavença, sai da igreja e pede vínculo empregatício [na Justiça]”, exemplificou, sugerindo que os pastores adotem uma precaução pedindo que os envolvidos assinem um termo de trabalho voluntário.
“Lutamos em defesa da igreja, para que ela não seja lacrada”, finalizou a pastora Mônica Santos, aconselhando atenção aos detalhes.