A campanha de Jair Bolsonaro à presidência da República desperta paixões e ódios, dependendo da perspectiva ideológica de quem lê, assiste ou ouve suas entrevistas e declarações. Um episódio recente, em que ele ajuda uma menina em seu colo a fazer o gesto alusivo a uma arma, se tornou a mais nova principal fonte de críticas a ele na imprensa nacional e internacional.
Bolsonaro, há tempos, se manifesta contra o Estatuto do Desarmamento, que foi implantado no Brasil durante o governo do ex-presidente Lula (PT), mesmo após um plebiscito ter decidido contra a proibição de posse e porte de armas aos cidadãos. Desde 2003, os números de segurança pública no país pioraram significativamente, com o número de assassinatos saltando de 39 mil em 2003 para 59 mil em 2017.
O argumento do candidato do PSL para restaurar o direito do cidadão possuir uma arma de fogo é que nos países onde não houve desarmamento, o número de homicídios é infinitamente menor que o registrado no Brasil, seja em comparação direta ou proporcional. Embora o assunto seja polêmico, há significativa parte da população que apoia a revogação do Estatuto do Desarmamento, por acreditar que hoje, criminosos têm convicção de que não enfrentarão o risco de um revide ao escolherem suas vítimas.
Nesse contexto, o jornalista Juan Arias, teceu contundente crítica a Bolsonaro em uma artigo publicado no jornal espanhol El País, de orientação progressista. “Entre os símbolos da liturgia da morte adotada pelo militar de extrema direita brasileiro, Jair Bolsonaro, candidato à presidência da República, figura agora também a imagem de uma menina de cerca de quatro anos imitando com os dedos polegar e indicador de sua mão direita o gesto de disparar um revólver. Foi ele quem lhe ensinou enquanto a segurava nos braços, rindo entretido”, comentou.
Segundo Arias, “assessores de Bolsonaro explicaram que [a cena com a menina] podia ser interpretada como um ‘gesto cristão’ de bravura”. “Que eu saiba, e estudei os evangelhos durante anos, o único símbolo de violência no cristianismo é o de Cristo na cruz, um inocente condenado à morte. O restante da simbologia dos seguidores do Nazareno é impregnado de paz e perdão, não de violência ou vingança”, criticou o jornalista.
Arias ponderou que Jesus “propôs uma criança como símbolo do Reino de Deus”, e sem se dar conta de que seu argumento é uma faca de dois gumes, citou que Jesus propôs pena de morte para quem fizesse mal a uma criança: “Ele considerava tão grave qualquer tipo de violência contra a infância que chegou a pedir pena de morte para quem ofendesse uma criança: ‘Melhor fora que lhe atassem ao pescoço a pedra de um moinho e o lançassem no fundo do mar’ (Mt.18,5ss). A dura condenação do Mestre a quem ofendesse uma criança deve ter impressionado tanto aos seus discípulos que essa passagem aparece nos três evangelhos sinóticos considerados os mais antigos e próximos da sua morte”.
Ao longo do texto, o jornalista se dedicou a associar o gesto de Bolsonaro a uma violência cometida contra a criança que segurava no colo: “Jesus, o manso, o compassivo, o que pedia perdão para todos os pecados, diz que não merece viver quem exerce violência com uma criança. Os evangelhos não dizem a que violência se referia. Há quem pense em uma violência sexual, mas existem muitas formas de ofender um pequeno. Uma delas é usar suas mãos ainda inocentes, que estão aprendendo a acariciar e a brincar, a escrever e a alimentar-se, para imitar o gesto de uma arma que evoca ecos de morte”, reiterou.
Por tratar-se de um artigo, em que normalmente se exprime opiniões, Juan Arias não se esforçou em demonstrar que é um opositor ao deputado conservador que pleiteia a presidência da República.
“Escrevi nesta mesma coluna por que a candidatura do extremista e violento ex-paraquedista Bolsonaro ‘me dava arrepios’. Hoje, àquele medo tenho que acrescentar o de que o gesto ensinado à menina vire moda, já que durante a liturgia da consagração de Bolsonaro como candidato à presidência corriam pela sala outras crianças imitando o gesto de imitar um revólver com as mãos”, escreveu o jornalista.
“Seria triste se o Brasil, que conquistou o mundo com sua festividade e com a riqueza da sua miscigenação, sua música e sua alegria, se tornasse hoje exportador de uma nova maneira de se divertir na infância: brincar de matar. As crianças devem ser cercadas, desde que nascem, frágeis e indefesas, de gestos de amor e respeito pelos demais, de símbolos que evoquem a vida e não a morte”, conceituou Arias, novamente, sem mencionar a realidade que hoje cerca todas as crianças brasileiras: a de dezenas de milhares de mortes, anualmente, por causa da impunidade a quem comete tais crimes.