A legislação que define as regras eleitorais é clara ao definir que um candidato não pode receber doações de entidades religiosas nem fazer propaganda dentro de templo. No entanto, há outros aspectos sobre o “abuso de poder religioso” que não são tratados de forma objetiva na legislação, o que leva a diferentes interpretações nos tribunais da Justiça Eleitoral.
É proibido visitar uma igreja durante um culto, mesmo que não se peça votos? E se o candidato for um pastor, ele não pode pregar, dirigir cultos ou fazer aconselhamento durante a campanha? A legislação não entra nos detalhes, e causa confusão.
Segundo Marilda Silveira, professora do Instituto de Direito Público, a confusão começa pela definição do crime eleitoral: “abuso de poder religioso” é “um tipo de abuso que não está escrito na lei explicitamente”.
Dois casos envolvendo abuso de poder religioso chamam atenção por decisões diferentes. Um deles envolve o pastor João Luiz Rocha (PSC), da Igreja do Evangelho Quadrangular. Eleito deputado estadual em Alagoas em 2014, ele foi afastado em 2017 sob acusação de fazer propaganda política em templos.
Segundo o Ministério Público Eleitoral (MPE), Rocha transformou cultos em comitês de campanha e fiéis em cabos eleitorais, e o ministro Napoleão Nunes Maia decidiu afastá-lo por considerar errado que o pastor usasse sua condição de “líder espiritual” para influenciar os fiéis em sua “liberdade de escolha política e capturar a sua adesão a certa candidatura”.
O segundo caso envolve o senador Ivo Cassol (PP-RO), que era alvo de um pedido de cassação após Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, pedir que os fiéis votassem em Cassol, durante um evento realizado em 2010 com presença de 10 mil pessoas.
Nesse caso, o TSE recusou o pedido de afastamento de Cassol. O relator do processo, ministro Henrique Neves, destacou que é “constitucionalmente assegurado que sacerdotes e pregadores […] enfrentem os temas políticos que afligem a sociedade”, e sendo assim, “nada impede que os candidatos abracem a defesa de causas religiosas”.
O caso de Rocha terá um julgamento em breve pelo colegiado do TSE, e não há pistas sobre qual visão prevalecerá na definição do caso: a do ministro Nunes Maia, ou a de Henrique Neves.
Segundo informações da Folha de S. Paulo, a professora Marilda Silveira considera que o abuso de poder religioso não se encaixa em casos de visitas de candidatos a templos: “Não há nada de errado”, resumiu.
No entanto, o procurador regional eleitoral em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, entende que é preciso limites nesse tipo de situação: “O cara pode ir lá, mas o pastor, o padre, o pai de santo, o rabino, nenhum deles pode dizer ‘este é o candidato ungido por Deus’”, afirmou.
André Lemos Jorge, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo, é ainda mais radical, e entende que “mesmo que não peçam votos, candidatos não podem discursar nos púlpitos”, com risco de incorrer em propaganda irregular.
“As igrejas passaram a desempenhar papel decisivo nos pleitos, algumas vezes com abusos flagrantes. Como regulamentar as atividades eleitorais em templos sem afrontar o princípio constitucional da liberdade religiosa?”, questionou Lemos Jorge.