Cantores que se tornaram evangélicos vêm sendo tachados como intolerantes religiosos por se recusarem a fazer concessões sobre suas crenças ou cantar trechos de músicas seculares que falem sobre outras religiões e crenças.
O historiador Luiz Antônio Simas, especializado em sambas e crenças afrobrasileiras, comentou episódios como o que Xanddy foi criticado por uma atriz por não cantar a frase “canto do candomblé” quando interpretou a canção Raiz de Todo Bem.
Em entrevista à jornalista Anna Virginia Balloussier, da Folha de S. Paulo, Simas declarou que essas polêmicas são resultado do crescimento dos evangélicos no país, já que até a década de 1980, esse segmento social tinha menos de 10% da população brasileira, e atualmente somam 30%.
“O que tinha às pencas —e ainda tem— é músico que se converteu e aposentou o cancioneiro do ‘mundão’, como evangélicos costumam se referir a hábitos que consideram profanos. Gente como Mara Maravilha, Rodolfo Abrantes (ex-líder do Raimundos) e até Bezerra da Silva”, contextualizou a jornalista.
Outras polêmicas recentes envolvem a cantora de forró Márcia Fellipe, que criticou a canonização de Irmã Dulce no Vaticano, dizendo que “Santo só o senhor Jesus Cristo”.
A dupla sertaneja Simone e Simaria cantou a música gospel Deus de Promessas durante participação num programa do canal por assinatura Multishow. No entanto, ao cantarem Quero Ser Feliz Também, do Natiruts, deixaram de citar a divindade umbandista no verso “desejar para tudo que vem flores brancas paz e Iemanjá”.
Simone, que não esconde ser evangélica, já disse que “seria uma honra cantar a Jesus de Nazaré” em algum momento no futuro, mas se defendeu da acusação de intolerância religiosa por não pronunciar termos e nomes ligados a outras crenças. “É a maior besteira do mundo! Meu amigo, se você quiser tocar o seu tamborzinho, toque o seu tamborzinho! Se quiser ajoelhar e ir pra igreja, vá pra igreja!”, declarou.
O caso do sambista Bezerra da Silva também foi lembrado pelo historiador, já que ao longo da carreira, um de seus versos mais famosos era “vou apertar, mas não vou acender agora”, da música Malandragem, Dá Um Tempo. Depois que se tornou membro da Igreja Universal do Reino de Deus em 2001, o artista carioca chegou a gravar um samba-gospel de Marcelo Crivella (Republicanos), atualmente prefeito do Rio de Janeiro.
O escritor Luiz Fernando Vianna, autor do livro Geografia do Samba Carioca, lembrou da conversão do violonista Baden Powell, que parou de cantar parte dos sambas que fez com Vinicius de Moraes, como Canto de Iemanjá, argumentando que “as letras do Vinicius louvam os orixás”.
Em 1999, um ano antes de morrer, o violonista disse à Folha abrir mão de parte desse repertório. “Só alguns não posso gravar, né? O ‘Samba da Bênção‘, por exemplo. Não digo mais saravá. Posso tocar o ‘Samba da Bênção‘, mas não falo saravá, porque é um louvor a satanás”, justificou.
Balloussier, ao final de sua matéria, lembra do caso mais recente envolvendo um artista novo convertido: “A moda não é só brasileira. O rapper Kanye West, que lançou o álbum ‘Jesus is King’ (Jesus é rei), disse que ajustará letras antigas à sua fase gospel”, escreveu, resignada.