A intolerância religiosa registrada no Brasil nas últimas semanas é o contraponto de um gesto de receptividade protagonizado pelo reverendo Hermes C. Fernandes na igreja Rede Internacional de Amigos (REINA), no Rio de Janeiro (RJ).
Convidado a participar de um documentário produzido pela TV Globo, Fernandes aceitou o desafio e abriu as portas do templo para a equipe da emissora e tomou a iniciativa de chamar para o culto pessoas que representassem outras religiões.
Após a ministração do louvor e da mensagem, Fernandes chamou ao palco os convidados para uma cerimônia de lava-pés, assim como Jesus fez com seus discípulos às vésperas da Páscoa.
“Senti-me impulsionado a fazer algo que talvez pudesse despertar a consciência de muitos quanto à necessidade de se resgatar a mensagem central do evangelho: o amor […] Convidei algumas pessoas para que representassem segmentos sociais que têm sido vítimas de intolerância, não apenas por parte das igrejas, mas também por parte da própria sociedade […] Entre elas, alguém representando a comunidade LGTB, outra representando os cultos afros (ambas vestidas à caráter), uma portadora de necessidades especiais, um negro, uma Boliviana que foi explorada no país, um sociólogo que professava o ateísmo e uma bióloga representando a ciência. Pus-me de joelhos e com uma bacia cheia d’água, comecei a lavar e beijar seus pés, rogando que nos perdoassem por toda a discriminação sofrida. Na plateia, lágrimas. A presença de Deus era nítida entre nós. Era como se o abismo profundo que nos separava fosse finalmente transposto”, escreveu Fernandes em seu blog.
Para o reverendo, a iniciativa “poderia ser uma oportunidade de ouro para mostrar o outro lado” do meio evangélico, pois “nem todos pautam seu discurso no ódio, no preconceito, num moralismo radical”, destacou.
No entanto, a repercussão do gesto feito pelo reverendo foi negativa entre a comunidade evangélica: “A cerimônia de lava-pés foi sucedida por uma entrevista com perguntas polêmicas sobre a postura que a igreja evangélica tem adotado para com aqueles segmentos. Deixei a igreja com aquela sensação de missão cumprida. Antes, porém, postei as fotos registadas com o meu smartphone em meu perfil no Facebook. Ao chegar em casa, qual foi minha surpresa ao me deparar com a reação de muitos. Fui julgado, execrado, chamado de herege, liberal e outros adjetivos que prefiro não postar aqui. Ninguém se sentiu ofendido ao me ver ajoelhado aos pés de uma portadora de necessidades especiais, nem mesmo aos pés de um ateu (que converteu-se ao Senhor). Mas, ver-me de joelhos aos pés de uma ‘mãe-de-santo’ e uma ‘transexual’ parecia inadmissível. Houve quem dissesse que eu havia me ajoelhado diante de satanás”, lamentou.
O reverendo Fernandes finalizou seu artigo lembrando que, durante os três anos de seu ministério, Jesus protagonizou cenas que, hoje – assim como na época -, seriam consideradas um gesto de apostasia.
“A primeira cerimônia de lava-pés foi protagonizada por Jesus. O texto bíblico diz que antes da páscoa, ‘sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim’. Portanto, que o moveu a desnudar-se ante o olhar escandalizado dos discípulos e a lavar-lhes os pés feito um serviçal qualquer não foi outra coisa se não o amor. Um amor totalmente incondicional, isto é, que independia de qualquer coisa que fizessem ou deixassem de fazer. Lembremo-nos de que entre os discípulos estava Judas. Quando chegou a sua vez, ele teve a ousadia de levantar o calcanhar como se dissesse: ‘Se é para lavar, lava direitinho’. Mesmo assim, Jesus não deixou de lavar os seus pés. Ele o amou e o amou até o fim. Como poderíamos pregar para quem não nos dispuséssemos a acolher? E como acolher a quem não amássemos? E como amar a quem não estivéssemos dispostos a servir? Houve alguém que demonstrou estar escandalizado pelo simples fato de termos recebido tais pessoas em nossa igreja”, finalizou.