A 24ª fase da Operação Lava-Jato, denominada Aletheia, teve seu sigilo quebrado pelo juiz Sérgio Moro, a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Dessa forma, áudios gravados a partir do grampo dos telefones do ex-presidente Lula (PT) foram tornados públicos, mostrando as movimentações de bastidores e, inclusive, a participação da presidente Dilma Rousseff (PT) na manobra para torná-lo ministro de Estado para escapar do alcance da força-tarefa que investiga o escândalo de corrupção na Petrobras.
Uma ligação feita pela presidente Dilma ao ex-presidente nesta quarta-feira, 16 de março, informando-o sobre a emissão do Termo de Posse para que ele assumisse o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, foi flagrada pela Lava-Jato.
A interceptação das ligações de Lula havia sido autorizada pelo juiz Sérgio Moro dias antes da deflagração da Aletheia, e mostrou, inclusive, que o ex-presidente sabia que sua residência seria alvo de um mandado de busca e apreensão.
Como Lula foi nomeado ministro por Dilma, Moro suspendeu o grampo, porque como ministro de Estado, ele passa a ter foro privilegiado, e as investigações contra ele no caso do tríplex no Guarujá e do sítio em Atibaia tornam-se responsabilidade da Procuradoria Geral da República, e sendo oferecida denúncia, o julgamento fica a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF).
Assim que o Palácio do Planalto emitiu nota confirmando que Lula havia sido nomeado ministro da Casa Civil, Moro determinou o fim do grampo, mas atendeu ao pedido do MPF para pôr fim ao sigilo das investigações da 24ª fase da Lava Jato, e divulgou o conteúdo dos áudios.
A conversa
Dilma: Alô
– Lula: Alô
– Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
– Lula: Fala, querida. Ahn
– Dilma: Seguinte, eu tô mandando o ‘Messias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!
– Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
– Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
– Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
– Dilma: Tá?!
– Lula: Tá bom.
– Dilma: Tchau.
– Lula: Tchau, querida.
Nessa ligação, ocorrida às 13h32 desta quarta-feira, Dilma informa a Lula que está mandando o Termo de Posse pra ele usar caso a Polícia Federal apareça para prendê-lo antes que a edição extra do Diário Oficial fosse publicada com sua nomeação para ministro, fato que se concretizou somente no final do dia. O Jornal Nacional, da TV Globo, destacou que a forma como a nomeação ocorreu foi diferente das demais vezes, pois Dilma costuma assinar a posse apenas na cerimônia, que está agendada para amanhã.
No despacho que liberou o conteúdo dos grampos, o juiz Moro afirma que, “pelo teor dos diálogos degravados, constata-se que o ex-presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos”, segundo informações do G1.
Em outro trecho do despacho, Moro afirma que as gravações sugerem uma tentativa de influenciar os ministros do STF, em especial Rosa Weber e o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, para que as decisões sejam mais favoráveis ao governo, mas ressalta que não houve contato de Lula com o colegiado.
“Ilustrativamente, há, aparentemente, referência à obtenção de alguma influência de caráter desconhecido junto à Exma. ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal, provavelmente para obtenção de decisão favorável”, escreveu o juiz federal, isentando a ministra Weber por sua “honradez e retidão”, de acordo com informações do jornal Valor Econômico.
Sérgio Moro justifica sua decisão de tornar público os áudios e transcrições dos grampos dos telefones de Lula por considerar “saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal”, e acrescenta: “A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.
Repercussão
Dentre diversos outros áudios e transcrições tornados públicos pelo juiz Moro, o que mais causou rebuliço foi o da ligação feita por Dilma a Lula. A presidente não era alvo do grampo, mas como ligou para um dos números que eram monitorados pela Polícia Federal, terminou tendo sua conversa flagrada.
O conteúdo da conversa vem sendo avaliado como prova de uma tentativa de obstrução da Justiça. Segundo informações da Globo News, parlamentares de apoio ao governo e de oposição ficaram boquiabertos com a confirmação de que Dilma havia sido flagrada no grampo dos telefones de Lula.
Dentre os parlamentares que apoiam o governo, confissões anônimas aos repórteres do Grupo Globo – que deu o “furo jornalístico” – de que o fato de a voz da presidente Dilma ter sido flagrada é um fato gravíssimo e surpreendente, que complica sua situação frente à Justiça, à opinião pública e ao Congresso.
A nomeação de Lula como ministro da Casa Civil inclusive foi comentada pelo ministro Gilmar Mendes, durante sessão do Supremo que julgava os embargos declaratórios apresentados por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre o rito de abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados. “A crise só piorou, só se agravou a ponto de agora da presidente buscar inclusive um tutor para colocar no seu lugar de presidente e ela assume aí um outro papel. E um tutor que vem com problemas criminais muito sérios, mudando inclusive a competência do Supremo Tribunal Federal de tema que nós vamos ter que discutir. Mudando inclusive a competência da Justiça Federal”, afirmou Mendes, visivelmente incomodado.
A reação popular à conjuntura dos fatos foi instantânea: milhares de brasileiros foram às ruas protestar, em diversas capitais. Em Brasília (DF), aproximadamente 10 mil pessoas se concentraram em frente ao Palácio do Planalto; em São Paulo (SP), cinco mil se reuniram na Avenida Paulista, em frente ao prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que exibia um protesto pedindo a renúncia da presidente; em Belo Horizonte (MG) e Campo Grande (MS) outros milhares também foram às ruas, gritando palavras de ordem e cantando o Hino Nacional.
Canoa furada
De acordo com informações do Jornal Nacional, no início da noite de quarta-feira, o PRB, que tem 21 deputados, o senador bispo Marcelo Crivella e o ministro do Esporte, pastor George Hilton – ambos licenciados de suas funções eclesiásticas na Igreja Universal do Reino de Deus -, anunciou que vai deixar a base de apoio a Dilma.
Crivella – que foi ministro da Pesca no mandato passado de Dilma – já ensaiava integrar a oposição, pois chegou a negociar sua saída do PRB para integrar o PSB (que recentemente deixou a base de apoio a Dilma) onde disputaria a prefeitura do Rio de Janeiro. Agora, com o anúncio de que o PRB também abandonou o barco, é provável que George Hilton deixe o ministério do Esporte.
Impeachment
Nesta quarta, o STF decidiu manter o rito do impeachment conforme definido em dezembro de 2015, recusando os recursos de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados se reuniu, horas depois, com os representantes dos partidos para definir os passos que serão dados na condução do processo contra Dilma.
Em meio ao turbilhão de acontecimentos na política nacional, com flagrantes de conluios, delações premiadas de empresários, políticos (incluindo um senador preso), resta-nos interceder pelo Brasil em oração.