A notícia de que a Justiça teria autorizado considerar a homossexualidade uma doença vem sendo repercutida pela grande mídia, a partir de uma narrativa incompleta e tendenciosa dos fatos. Afinal, a que a decisão se refere e qual a verdade sobre o assunto?
Uma Ação Popular impetrada por um grupo de dezenas de psicólogos na Justiça Federal do Distrito Federal contra o Conselho Federal de Psicologia (CFP) resultou em uma decisão liminar que suspende a Resolução 01/99 da entidade, que proibia psicólogos de receberem em seus consultórios homossexuais egodistônicos que buscassem tratamento.
Resumidamente, a decisão é uma vitória dos homossexuais, que agora podem procurar os psicólogos quando se sentirem incomodados com sua orientação sexual, e assim, encontrar meios de compreender a própria sexualidade e fazer escolhas para sua vida pessoal com maior autoconfiança.
O homossexual egodistônico é alguém caracterizado pela inconformidade com sua orientação sexual e que busca formas de abrir mão da atração por pessoas do mesmo sexo e assim, reduzir os transtornos psicológicos e comportamentais associados.
O grupo de psicólogos que impetrou ação na Justiça Federal foi motivado pelos casos da psicóloga Rozângela Justino, uma profissional da área que sofreu censura do CFP em 2009; e da psicóloga Marisa Lobo, evangélica, e que chegou a ter o registro profissional cassado pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná – decisão revertida em instâncias superiores.
Os profissionais viram, nesses casos, uma ação repleta de parcialidade, com intenção de censura e perseguição religiosa do CFP, e assim procuraram a Justiça Federal para reverter a conduta da entidade de classe. De quebra, a decisão restaurou parte da liberdade de expressão dos homossexuais egodistônicos.
Decisão
O juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, titular da 14ª Vara da Justiça Federal em Brasília, reconheceu que os psicólogos encontravam-se impedidos de clinicar ou promover estudos acerca da reorientação sexual devido a uma interpretação equivocada da Resolução 01/90; editada pelo CFP para disciplinar a atuação dos profissionais da psicologia no que se refere à questão homossexual.
O magistrado entendeu que esse impedimento trazia grande prejuízo aos indivíduos que manifestam interesse nesse tipo de assistência psicológica, mas estavam com seus direitos cerceados por conta da resolução do CFP.
“Por todo exposto, vislumbro a presença dos pressupostos necessários à concessão parcial da liminar vindicada, visto que: a aparência do bom direito resta evidenciada pela interpretação dada à Resolução nº 001/1990 pelo CFP, no sentido de proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionados à orientação sexual, afetando, assim, a liberdade científica do país, e por consequência, seu patrimônio cultural”, pontuou o juiz.
“Defiro, em parte, a liminar requerida para, sem suspender os efeitos da Resolução nº 001/1990, determinar ao Conselho Federal de Psicologia que não a interprete do modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por parte do CFP, em razão do disposto no art. 5º, inciso X, da Constituição de 1988”, acrescentou o juiz.
CFP
De acordo com informações do jornal O Globo, o CFP emitiu um comunicado reprovando a decisão da Justiça em relação à ação popular movida pelos psicólogos: “O Conselho Federal de Psicologia se posicionou contrário à ação, apresentando evidências jurídicas, científicas e técnicas que refutavam o pedido liminar. Os representantes do CFP destacaram que a homossexualidade não é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) – entendimento reconhecimento internacionalmente”, dizia a nota.
O uso do termo “patologia” na nota abriu caminho para que veículos de imprensa da grande mídia veiculassem notícias acusando a ação e a decisão da Justiça de considerar a homossexualidade como doença, desconsiderando o fato de que a medida liminar se refere apenas aos casos de homossexuais que sofrem de egodistonia, e estavam impedidos de conseguir ajuda profissional.
“A terapias de reversão sexual não têm resolutividade, como apontam estudos feitos pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico”, pontuou o CFP, de forma a omitir a questão da egodistonia, que é um distúrbio estudado e tratado pela área.
O CFP diz no texto que a resolução 01/99 produz “o enfrentamento aos preconceitos e na proteção dos direitos da população LGBT no contexto social brasileiro, que apresenta altos índices de violência e mortes por LGBTfobia”, dizia o comunicado, alegando que a resolução não resultava em “qualquer cerceamento da liberdade profissional e de pesquisas na área de sexualidade decorrentes dos pressupostos da resolução”.
A decisão liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho mantém a integralidade do texto da Resolução 01/99, mas determina que o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogos façam atendimento nos casos de homossexuais egodistônicos, frisando que o atendimento deve ser sigiloso.
O especialista em Políticas Públicas e Mestre em Saúde Pública, Claudemiro Soares, comentou a decisão da Justiça: “Essa norma estava sendo interpretada em processos éticos do CFP de modo a promover até a cassação de registro profissional. Nesse sentido, pelo menos duas psicólogas sofreram essa medida extrema por haverem sido acusadas de praticar aquilo que os ativistas homossexuais chamam equivocadamente de ‘cura gay’”, afirmou.
O advogado Leonardo Loiola Cavalcanti, responsável pela apresentação da Ação Popular, comemorou a decisão: “Todos os psicólogos podem atender os homossexuais egodistônicos, aqueles que não se aceitam em sua orientação sexual, sem o receio de serem punidos pelo Conselho Federal de Psicologia. Viva a liberdade científica e o direito do consumidor!”.
Distorção
A grande mídia brasileira vem numa campanha de distorção dos fatos no que se refere a essa questão há anos, apoiando a militância LGBT na limitação do trabalho profissional de psicólogos que recebem homossexuais egodistônicos em seus consultórios, impendindo-os de ajudá-los a compreender e encontrar meios para reduzir seu sofrimento com a orientação sexual.
Em casos opostos, em que heterossexuais preocupados com a manifestação de atração sexual por pessoas do mesmo sexo, o CFP não exercia nenhuma restrição aos psicólogos, permitindo que o atendimento fosse feito de forma a prover conforto psicológico na aceitação da opção pela homossexualidade.
Diante dessa situação, o deputado federal João Campos (PRB-GO) apresentou, em 2011, um projeto de decreto legislativo para regulamentar a atuação profissional dos psicólogos nesse quesito, mas a grande imprensa deu uma conotação negativa à proposta apelidando-a de “cura gay”, o que gerou enorme repercussão popular e causou o sepultamento da proposta.
Agora, com a decisão da Justiça Federal, a discussão será ampliada, favorecendo o debate e a tramitação do PL 4931/2016, de autoria do deputado federal Ezequiel Teixeira, que aborda o mesmo tema e está na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), de acordo com informações do jornal Estado de Minas.
A nova proposta faculta ao profissional de saúde mental aplicar terapias e tratamentos ao paciente diagnosticado com “transtorno psicológico da orientação sexual egodistônica, transtorno da maturação sexual, transtorno do relacionamento sexual e transtorno do desenvolvimento sexual”.
A discussão sobre o assunto ainda se estenderá por muito tempo, até que uma decisão final, com todas as dúvidas a respeito do tema, estejam dirimidas.