Um caso envolvendo confeiteiros cristãos que se negaram a fazer um bolo para um casamento gay voltou a causar rebuliço na sociedade europeia. Só que dessa vez, surpreendentemente, um ativista LGBT defendeu a liberdade religiosa.
Daniel e Amy McArthur, cristãos, proprietários da padaria Ashers, em Belfast, na Irlanda do Norte, receberam um pedido, em maio de 2014, de um ativista gay chamado Gareth Lee, para um bolo com os bonecos Bert e Ernie, do programa Vila Sésamo, com a frase “em apoio ao casamento entre homossexuais”.
Por se recusarem a atender o pedido, foram processados por Lee, que é membro de um grupo LGBT chamado QueerSpace [uma referência à teoria que deu origem à ideologia de gênero].
Na ocasião, a Comissão de Igualdade da Irlanda do Norte disse que iria tomar medidas legais contra a padaria Ashers, pois o caso tem implicações mais amplas para as leis de igualdade e discriminação na Irlanda do Norte: “Este caso levanta questões de importância pública, à medida em que os fornecedores de bens e serviços podem recusar um pedido em razão da orientação sexual, crença religiosa e de opinião política”, dizia um comunicado.
O proprietário afirmou que não iria recuar e que este caso seria mais uma “batalha entre Davi e Golias”: “[A padaria] Ashers Baking Company está disposta a servir a qualquer cliente, independentemente do seu estilo de vida sexual. Mas nós não queremos ser obrigados a promover uma causa que é contra as nossas crenças bíblicas”, disse McArthur.
O caso voltou à tona essa semana, pois uma audiência estava agendada, mas a Procuradoria-geral pediu adiamento, para avaliar se não haveria questões legais ignoradas durante o processo, como conflitos entre leis locais e a legislação da Comunidade Europeia, segundo o Belfast Telegraph.
No jornal The Guardian, um renomado ativista gay publicou um artigo alegando ter mudado de ideia a respeito do caso: “Por mais que eu queira defender a comunidade gay, eu também quero defender a liberdade de consciência, de expressão e de religião”, escreveu Peter Tatchell.
“Na minha opinião, exigir que as empresas ajudem a promover ideias às quais se opõem é uma violação de suas liberdades. A discriminação contra as pessoas deve ser ilegal, mas é um direito delas, se opor a ideias”, afirmou. A declaração vai no mesmo sentido da defesa apresentada por McArthur, que argumentou que não recusa atender homossexuais, apenas não quer ser obrigado a endossar um princípio do qual não participa.
Até agora, a padaria apenas foi multada em £500, que é equivalente a R$ 2.810,00 na cotação dessa quinta-feira, 04 de fevereiro, mas os proprietários recorreram. Nesse contexto, o ativista gay que saiu em defesa dos confeiteiros afirmou que a multa “estabelece um precedente preocupante”, que pode gerar repercussões inesperadas.
“Isso levanta questões, como: gráficas muçulmanas deveriam ser obrigadas a publicar caricaturas de Maomé; ou os judeus seriam obrigados a publicar as palavras de alguém que nega o Holocausto; ou até mesmo confeiteiros gays seriam obrigados a aceitar encomendas de bolos com insultos homofóbicos?”, questionou. “Se o veredito da Ashers permanecer o mesmo, isto pode, por exemplo, incentivar extremistas de direita exigir que as padarias e outras prestadoras de serviços facilitem a promoção de opiniões anti-imigrantistas e anti-muçulmanas. Isto deixaria as empresas incapazes de se recusarem a decorar bolos ou imprimir cartazes com mensagens intolerantes”, pontuou.