Partindo de premissas politicamente corretas, jovens evangélicos militantes de esquerda estão se lançando na política para concorrer com os fiéis conservadores. Defensores do aborto, por exemplo, os membros da chamada Bancada Evangélica Popular se apresentam como figuras capazes de rebater o que definem como “equívoco teológico” dos cristãos que defendem uma visão oposta à sua.
Um desses que se arriscarão nas urnas é o estudante de Filosofia Samuel de Oliveira, 23 anos, filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ao todo, são 20 pré-candidatos ligados à BEP, que tem entre seus fundadores o pastor Ariovaldo Ramos.
“É mais fácil atribuir os problemas da sociedade a questões morais do que entender as razões da desigualdade”, diz Samuel de Oliveira, ao criticar a postura dos evangélicos conservadores sobre pautas defendidas pelos partidos de esquerda.
Para o pré-candidato a vereador em São Paulo, as igrejas evangélicas “usam o medo do inferno” como arma de dominação dos fiéis: “Esses políticos deixaram de pregar a graça de Cristo para viver a mensagem do ódio”, disse, referindo-se aos integrantes da Frente Parlamentar Evangélica, formada em sua maioria por membros de igrejas pentecostais e conservadores nos costumes.
“A gente quer apresentar uma outra perspectiva de ser evangélico, que não é sinônimo de conservadorismo, mas de justiça social e amor”, acrescentou, repetindo o discurso abrangente e subjetivo comumente usado pelos chamados “cristãos progressistas”.
Outro que deve sair candidato é Danilo Pássaro, 27 anos, estudante de História e filiado ao PSOL. Segundo relatado por ele ao portal Uol, desde os quatro anos de idade frequenta a igreja. Ao longo de 13 anos, participou dos cultos numa Assembleia de Deus, mas depois passou a frequentar uma Igreja Batista, porque, em suas palavras, ”ao contrário das neopentecostais, ela não é fundamentalista”.
“Ela ensina que Jesus não quer ver outro explorado e que Deus não está lá longe no Céu, mas dentro de nós. ’Ao cuidar dos que sofrem, estão cuidando de mim’, disse Jesus”, argumentou Pássaro, que recentemente ajudou a organizar um protesto com torcidas organizadas, em pleno isolamento social devido à pandemia, e que terminou em tumulto.
Na reportagem, no entanto, não foi mencionado que a Convenção Batista Brasileira não defende pautas como a legalização do aborto ou a celebração de união de pessoas do mesmo sexo no âmbito religioso.
“Eu quero fazer política para o evangélico que se opõe ao conservadorismo moral que é imposto por alguns líderes evangélicos. Quando Dilma caiu [pelo impeachment, em 2015] e os neofascistas saíram do bueiro, eu já achava que os evangélicos neopentecostais poderiam tornar a retórica fascista um discurso de massa, o que foi confirmado na eleição de Bolsonaro”, afirmou, valendo-se dos rótulos que integram a práxis dos partidos de esquerda contra a visão conservadora.
Danilo Pássaro teceu críticas ao segmento neopentecostal que são feitas também por igrejas tradicionais, mas que não se alinharam à ideologia de esquerda, uma vez que a reprovação à pregações como a teologia da prosperidade não é vinculativa à ideologia socialista ou progressista.
“Os neopentecostais têm dois fundamentos: a teologia da prosperidade diz que você é o empresário da própria fé e que doar uma oferta a Deus irá te abençoar. E a batalha espiritual defende que a vida na Terra é uma guerra de forças entre o bem e o mal. Essa batalha diz que o Brasil tem precisa se tornar evangélico para ser um país melhor. Para isso, a igreja deve tomar o poder e combater a diversidade, como a religiosa”, associou o pré-candidato.
“Isso é um discurso fascista, irmão. Se você fala em destruição do outro, é fascismo”, reiterou Pássaro. O contexto da fala remete ao que disse outro militante de esquerda, Mauro Iasi, em 2015, quando afirmou que o diálogo com os conservadores não deve existir, e a relação de luta contra esse pensamento deve ser à base de “uma boa bala”.
A proximidade desse grupo de evangélicos também é estreita com o feminismo: a ativista Simony dos Anjos (PSOL), filha de um pastor da Igreja Presbiteriana Independente, quer ser prefeita de Osasco (SP).
“Na minha igreja, precisei dar aula sobre ciclo menstrual a meninas de 17 anos, que não sabiam como ele funciona. A proibição do aborto mata 1.500 mulheres por ano no Brasil. Muitas deixariam de abortar se fossem acolhidas por psicólogos nos hospitais. Quem chega no hospital dizendo que precisa cometer um crime? A gente não precisa de uma Flordelis que adote tanta criança, mas de um Estado que cuide de todas”, declarou, ajustando o discurso ao escândalo envolvendo o assassinato do pastor Anderson do Carmo.