As intenções de João Doria (PSDB) e Luciano Huck (sem partido) em relação à presidência da República são vistas com ceticismo e até desprezo entre lideranças evangélicas. Desde 2018, quando o voto dos fiéis desse segmento religioso foram decisivos para eleger Jair Bolsonaro, a avaliação política é que o caminho ao Planalto passa pelas igrejas.
Depois de um breve e intenso atrito relacionado à indicação de Kassio Nunes Marques ao STF, Silas Malafaia e Bolsonaro se reencontraram em novembro, na companhia do apóstolo César Augusto, líder da Igreja Apostólica Fonte da Vida. Na legenda, o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) escreveu que haviam tido um “bate-papo sobre o Brasil”.
As figuras de Malafaia e César Augusto foram destacadas pelo jornal Folha de S. Paulo em uma reportagem sobre a falta de simpatia do meio evangélico em relação a Doria e Huck, pois ambos os líderes evangélicos ensaiaram uma aproximação com o agora governador paulista. Hoje, porém, o humor para eventual apoio numa disputa contra Bolsonaro em 2022 é praticamente nula.
“Nunca vi tanto o Doria quanto o Huck se posicionarem a favor dos valores que defendemos. Como disse, evangélicos apoiam os valores conservadores. Bolsonaro até então é o único que os tem”, disse César Augusto. Em 2018, o apóstolo apoiou inicialmente o ex-governador paulista, Geraldo Alckmin ao Planalto, mas quando o cenário mostrou que ele estaria fora do segundo turno, mudou seu apoio para Bolsonaro.
Já Doria é visto como alguém a quem não se pode confiar: “A ideia que a liderança tem é a de que ele é traíra. O cara que você não pode confiar, o verdadeiro escorpião. Traiu Alckmin, depois Bolsonaro”, afirmou Malafaia, lembrando do rompimento entre padrinho e afilhado tucanos, e da campanha “BolsoDoria”, responsável pela vitória no segundo turno da eleição ao Palácio dos Bandeirantes.
Malafaia acredita que João Doria, no máximo, vai “arrumar algum pastor aí pra enfeite” em 2022, da mesma forma que o PT fez durante a campanha em 2018. “Com todo o respeito, em 2018 o PT pegou uma meia dúzia de gente sem nenhuma expressão no mundo evangélico. Dá até vergonha os caras que apoiaram, não tem expressão”, avaliou.
Sobre Doria, César Augusto revelou que a simpatia pelo atual governador paulista vinha de sua proximidade com Alckmin, mas quando o mandato começou, em 01 de janeiro de 2019, as lideranças evangélicas foram deixadas de lado.
“O distanciamento, além da pandemia, também se configura pelo próprio cargo: políticas públicas são mais fáceis de serem implementadas no âmbito municipal do que estadual”, afirmou Carolini Gonçalves, presidente do Núcleo Cristão do PSDB em São Paulo, tentando explicar o motivo de Doria ter se afastado dos pastores.
Coordenador de Assuntos Religiosos do grupo tucano, o pastor Luciano Luna lembra que Doria foi muito próximo, enquanto prefeito, dos evangélicos. “Ele e Bruno [Covas, seu sucessor] conseguiram muitas conquistas pras [sic] igrejas, em relação a alvarás e licenciamentos”, minimizou.
Progressismo
Os debates progressistas, que aceleraram o divórcio entre o PT e os pastores evangélicos de maior alcance nacional — como Edir Macedo e José Wellington Bezerra da Costa – pode ser o fator adicional a decretar o desprezo evangélico a Doria e Huck.
Vale recapitular: Dilma Rousseff (PT) autorizou que o então ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), acompanhasse de perto um projeto que ficou apelidado de “kit gay”. Em debate na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a proposta tornou-se uma espécie de “gota d’água” que fez ruir a relação entre evangélicos e petistas.
A rejeição às propostas progressistas é inegociável no meio evangélico, conforme constatou Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião. Segundo ela, os fiéis elegeram representantes em 2018 “a partir de pautas que se relacionavam com a forma pela qual as crises econômicas e de segurança pública afetavam suas vidas, não apenas por orientação religiosa”, afirmou, denotando que o público desse segmento vem demonstrando ter valores primários que independem do apoio dos pastores.
“Ao mesmo tempo, também é uma base que vem se movendo por valores cada vez mais conservadores, não apenas morais, mas na educação e na segurança pública”, acrescentou Evangelista.
Luciano Huck, apresentador da TV Globo – a mais progressista das emissoras de TV aberta do país –, tem posicionamento progressista em temas morais. Nesse contexto, nem a vantagem de ser um comunicador bem visto nas camadas mais pobres do país (setor com forte presença evangélica) deve ser suficiente para aplacar a rejeição a questões como ideologia de gênero e aborto, dentre outros.
Judeu, Luciano Huck é casado com a também apresentadora Angélica, e seus sogros são evangélicos. Numa eventual campanha eleitoral, é quase certo que esse aspecto será explorado para tentar convencer os fiéis, hoje já mais experientes sobre políticos sem compromissos com valores conservadores.