A proteção exercida pelo Estado laico à liberdade religiosa vem sendo ameaçada pelo discurso de combate à imunidade tributária das religiões. O renomado jurista Ives Gandra da Silva Martins reagiu a essas especulações e gravou um vídeo, direcionado ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), alertando sobre o risco de se transgredir os preceitos da Constituição Federal em caso de tributação dos templos.
O assunto voltou a ser discutido recentemente em dois momentos: quando o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, concedeu uma entrevista e falou que na proposta de Reforma Tributária iria sugerir a tributação das igrejas; e quando a bancada evangélica solicitou ao governo que revogasse exigências impostas a partir de 2015 para o cumprimento da prestação de contas.
Nesse meio tempo, rumores de que o presidente Bolsonaro estaria estudando revogar ou diminuir a imunidade tributária dos templos religiosos foram veiculados na imprensa, e assim, muitas lideranças religiosas reagiram, lembrando que essa imunidade representa, na prática, a proteção do Estado à liberdade religiosa.
O jurista Ives Gandra, um dos maiores especialistas em Direito do Brasil, cristão, publicou um vídeo dirigindo-se ao presidente com uma aula resumida sobre o que é a laicidade do Estado e quais são as premissas da Constituição Federal de 1988 para a proteção da liberdade religiosa, que, dentre outras coisas, inclui a imunidade tributária.
“Muitos que têm apresentado que o Brasil é um Estado laico, pensam que o Brasil é um Estado ateu, que não é. Estado laico é apenas aquele Estado que há uma diferença de instituições: o que diz respeito às instituições de Estado, a Igreja não pode interferir; e nas instituições da Igreja, o Estado não pode interferir”, introduziu Ives Gandra.
A proposta de tributação das igrejas é uma inovação incoerente com as leis brasileiras, alertou: “Há anos que nós temos imunidade dos templos de todos aqueles que exercem suas atividades, sacerdotes, pastores, padres, etc. E ultimamente, o que tem havido, é uma tendência de se pretender retirar a imunidade, que não é nenhuma renúncia fiscal. A imunidade representa apenas que o Estado, pela Constituição, está proibido de interferir, em matéria tributária, nas atividades próprias das instituições religiosas”.
Um dos argumentos usados para a defesa da tributação das igrejas é a alegação de que, ao conceder imunidade, o Estado estaria renunciando a um potencial de arrecadação, o que foi refutado pelo jurista.
“Imunidade é uma vedação absoluta do poder de tributar. Isso quer dizer, em últimas palavras, senhor presidente, que quando pessoas declaram que há uma renúncia fiscal nas imunidades, demonstram, no mínimo, uma profunda ignorância jurídica. Porque ninguém renuncia ao que não tem. Isso é uma vedação constitucional ao poder de tributar nas imunidades. Esta vedação não pode ser sinônimo de renúncia”, explicou.
“O que nós estamos querendo, senhor presidente, é que se respeite uma tradição do Brasil de se dar imunidade às instituições religiosas como determina a Constituição. E é evidente, não ao templo só, que é apenas um prédio, mas àqueles que representam as instituições religiosas, que são os sacerdotes, os padres, os pastores, aqueles que, em última análise, levam a mensagem de Deus àqueles que acreditam em Deus”, acrescentou, dirigindo-se diretamente a Bolsonaro.
Ao final, Ives Gandra da Silva Martins, conhecido como um conservador, revelou ter votado em Jair Bolsonaro (que fez campanha com temas conservadores, como a luta contra a legalização das drogas, do aborto, e prometendo combater a ideologia de gênero nas escolas).
“Era o que eu queria dizer, senhor presidente. Nós temos um instituto: Instituto Brasileiro de Direito Religioso, que procura mostrar que há, dentro de toda legislação brasileira, a partir da Constituição, um verdadeiro Direito religioso, com a própria autonomia, como temos para o Direito ambiental, societário, tributário, comercial, privado. E é isso que nós gostaríamos, senhor presidente, que o senhor compreendesse. Como um modesto eleitor seu, aquele que lutou para dentro das suas relações de amizade, para que as pessoas que me ouvem, para que o senhor fosse eleito. Era o que eu queria levar, um pedido, não para mim, mas para todos que acreditam em Deus, que é a esmagadora maioria da população brasileira”, concluiu.
Bolsonaro compartilhou o vídeo do jurista, demonstrando estar em concordância com os mesmos princípios apresentados, e acrescentou na legenda que as ideias de tributação das igrejas é uma agenda de seus adversários políticos: “A esquerda sempre atacou a família, a religião, a propriedade privada, ou seja, tudo aquilo que mais de 90% do povo tem como valores; Assista o jurista Ives Gandra Martins discorrendo sobre o estado laico e as religiões, um direito de todos nós”, escreveu o presidente.